Natural de Leiria, Solange Kardinaly viveu até à idade adulta na zona de Monte Redondo. Entre outros prémios recebidos em Portugal e no estrangeiro, é a única mulher portuguesa detentora do Mandrake d’Or, considerado o Óscar da magia, que lhe foi atribuído em Outubro, em França. Outro momento alto de 2024, a participação no programa America’s Got Talent, nos Estados Unidos, em que atingiu a final e encantou o júri constituído por Heidi Klum, Howie Mandel, Simon Cowell e Sofia Vergara. No ano passado, já tinha estabelecido um recorde do Guiness, com 25 trocas de roupa em apenas um minuto. Actualmente com 34 anos, vive em Vila Nova da Barquinha com o filho e com o marido, Arkadio, de nacionalidade espanhola, também ilusionista.
Recorde do Guiness em 2023 na televisão italiana e este ano a final do Got Talent nos Estados Unidos e o prémio Mandrake d’Or, que é considerado o Óscar da Magia. E agora?
Somos quatro mágicos em Portugal, que o temos [o Mandrake d’Or]. Sou a única mulher. O próximo ano também está cheio de surpresas. Ainda este ano, vou para os Estados Unidos, trabalhar com alguém muito importante, não posso dizer o nome, e depois, no próximo ano, tenho coisas muito interessantes, em Hollywood.
São portas que se abriram por causa do que aconteceu nestes últimos anos?
O Got Talent é uma oportunidade muito grande, não foi só uma experiência enorme para a minha carreira. É muito difícil chegar até lá e já passou por lá muita gente. É muito complicado surpreender os espectadores e o júri, e os produtores, que procuram os talentos. O meu vídeo da audição foi o vídeo mais viral desta edição. Teve à volta de 500 milhões de reproduções.
Nos espectáculos de magia, os espectadores sabem que estão a ser enganados. O que é que os convence de que vale a pena estar ali?
Para mim, o ilusionismo, a magia, é a arte de fazer sonhar. Se vão ver o show, é porque querem ser enganados. E às vezes convém sairmos da realidade e entrarmos num momento de ilusão. Como um filme: sabemos que aquilo não é verdade e estamos a desfrutar e a gostar do que estamos a ver.
O que é que a profissão lhe deu de melhor até agora?
Muitas coisas. Tudo o que pensei e sonhei quando era mais jovem estou a realizar, todos os passos que pensei que poderia dar estou a conseguir dá-los. Trabalhei muito para chegar a este número, para poder atingir outros patamares, para poder abrir a porta para poder criar mais coisas diferentes e mostrar realmente a minha personalidade e do que sou capaz. Portanto, espero seguir na mesma linha.
O que é que lhe agrada mais naquilo que faz?
Actuar. Gosto muito de estar em cima do palco. Gosto também muito de criar os números, de experimentar, tipo laboratório, se funciona, de fazer os vestidos, sou eu que faço todos [e] todo o material mais pequeno também sou eu que fabrico em casa para depois apresentar ao público .É sempre emocionante.
Esse momento de grande exposição e de contacto com as pessoas.
Sim, claro. Por exemplo, no Got Talent, em directo, os três últimos shows. E todos [com] números novos. Ensaios intensos durante semanas. Dois dias antes da final ainda não tinha o material todo terminado. A magia é sempre um risco em directo, mas correu tudo bem.
Quando está em palco, consegue aperceber-se de como o público vai reagindo?
Para mim, uma das habilidades que tem de ter o artista, é transmitir sensações ao público. Temos de estar focados no que estamos a fazer, e concentrados, mas a parte em que mais desfruto é quando vejo a reacção do público, acho que é a parte que nos motiva, também, a melhorar e a ver o que funciona e o que não funciona no nosso espectáculo. Tento sempre ter uma ligação com o espectador.
Há uma performance, não é só executar.
É a maneira como nós vendemos o produto, neste caso, o espectáculo. O verdadeiro artista sabe ter uma apresentação e o público não estar só focado no truque. A maneira como o fazemos é que é importante. Aí é que está o segredo.
E é uma vida de saltimbanco.
Nós, ultimamente, estamos sempre fora de casa. Vim da Croácia há dois dias, segunda-feira vamos para a Alemanha, depois voltamos, tenho um evento aqui em Portugal e na mesma noite vou para Itália e depois volto e vou para a Alemanha outra vez e depois vou para os Estados Unidos. É bom, claro. Também, às vezes, é bom descansar. Foi a vida que escolhi. Estou habituada porque já quando andava no circo viajava muito. Tinha a minha casa às costas, tínhamos as caravanas. Agora temos de deixar a nossa casa sempre, as nossas coisas, e viajar, normalmente, de avião. Mas, sim, quando estou em Portugal, agradeço, também. Desde que vim dos Estados Unidos, por exemplo, desde Agosto, acho que não estive em casa ainda uma semana completa. Foi tão grande a visibilidade que não consigo aceitar todo o trabalho que me está a chegar.
A magia e as artes de circo em geral são devidamente valorizadas?
Não tanto como deveriam. Se calhar, noutros países, são mais valorizadas do que aqui em Portugal, infelizmente. Uma das minhas metas é poder expandir mais a magia em Portugal. Gostaria que no meu próprio país tivesse visibilidade como tenho noutros países. Pode ser que agora consiga. Graças ao Got Talent, muita gente me conheceu, e às vezes é preciso ir fora para poder mostrar o trabalho que está cá dentro. Estamos a preparar, aliás, uma tour por todo o país. Vamos começar no casino de Espinho dias 10 e 11 de Janeiro, com uma hora de espectáculo. Em Espanha, há muitos mais festivais de magia, há muitos mais espectáculos de magia, há muitos mais mágicos, é um mercado muito maior. E é já aqui ao lado. As pessoas gostam muito de magia e [em Portugal] é uma coisa que está ainda por descobrir.
As mulheres ainda são mais vezes as assistentes do que as protagonistas?
Está a mudar um bocadinho o mundo e graças a isso está a mudar também essa forma de pensar das pessoas. Há uns anos, quando comecei, as mulheres eram vistas como a assistente, sempre. Nunca liguei muito a isso. Tentei sempre focar-me no que eu queria e demonstrar o que era. Às vezes, sou assistente do Arkadio [o marido]. Ele também é meu assistente, fazemos troca de papéis. Comecei como assistente nos espectáculos dos meus pais e do meu avô, cheguei a trabalhar com ele, mas sempre senti que não era isso que eu queria. Queria fazer os meus números e desenvolver mais essa parte, que me apaixonava, da magia. Não queria só ser uma assistente, queria desenvolver os meus espectáculos. Agora, cada vez mais, há mais mulheres mágicas. Em Portugal, infelizmente, não. Profissionalmente, acho que sou a única. Eu e o Arkadio, embora eu esteja ao lado dele, ou ele esteja ao meu lado, não é um mágico e a assistente, é uma dupla, somos dois mágicos no palco.
De que tem mais orgulho na carreira?
Ter chegado à final do America’s Got Talent e também o Mandrake d’Or, que foi sempre um programa que eu via na televisão. O meu marido tem o Mandrake d’Or desde 2006 e lembro-me de ele ganhar esse prémio. Sempre pensei que um dia gostaria de estar ali. Como no Moulin Rouge, onde estive no Verão, a fazer o meu número de quick change. É um sítio muito emblemático, dos cabarés mais antigos do mundo e em que é muito difícil entrar um mágico.
O que seria o maior número de magia de sempre?
O melhor está por vir, sempre, não é? A gente tem de ter essa esperança. Neste momento, estou focada em trazer o nosso espectáculo completo, fazer o meu tour por Portugal, como vou fazer noutros lados. Gostava muito de ir a Leiria, porque é a minha terra. Actuei [em Leiria] há muito, muito tempo, inserida noutro espectáculo, mas o meu espectáculo nunca esteve em Leiria. Era uma boa oportunidade para estar agora. Gostamos de criar os nossos números porque, com os novos tempos, com a internet, com toda a informação já exposta, é muito difícil surpreender. E, se fazemos coisas que já foram vistas, não vamos surpreender. Tem de se dar uma volta às coisas e mostrar um estilo completamente diferente. Acima de tudo, trabalhar a nossa personalidade, porque é isso que vai marcar a diferença.