A Baja Portalegre 500, que decorreu no início do mês, foi um suplício para pilotos, navegadores e mecânicos. A prova portuguesa pontuável para a Taça do Mundo de bajas foi corrida debaixo de um dilúvio que levou à desistência de um número elevado de equipas.
Foi o caso da dupla de Leiria composta por Paulo Rui Ferreira e Jorge Monteiro, que viu o motor da Toyota Hilux Overdrive partir, avaria que aconteceu a grande parte dos competidores de primeira linha, como o Borgward BX7 dos também leirienses Ricardo e Manuel Porém.
“Foi uma coisa assustadora. Havia sítios em que só se via um mar de água e as típicas cercas alentejanas. Sabíamos que o caminho era por ali, por causa das cercas, mas não sabíamos o que estava por baixo”, recorda Paulo Rui Ferreira. “Era um metro e tal de água, estava pelo meio das portas”, prossegue Jorge Monteiro.
Já se sabe que ele são rápidos, competitivos, experientes, mordem os calcanhares aos primeiros, mas levam este mundo de corridas em todo-o-terreno “na maior descontracção”. Os resultados “não interessam”, mas quando corre bem “é uma festa”. E nesta competição, como noutras em que participaram no último ano, deram-se a contemplar a prova de outra equipa enquanto faziam a sua.
O piloto Paulo Rui e navegador Jorge têm agora atenção redobrada no carro conduzido pelo piloto João e pelo navegador David, filhos de Paulo Rui e de Jorge, respectivamente. Sempre acompanharam os pais e agora são, no fundo, a réplica exacta da equipa composta pelos progenitores. E são, naturalmente, motivo de orgulho e atenção..
“Tentamos fazer a nossa corrida descontraídos, mas se tivermos de parar por algum motivo, perguntamos logo como estão os putos. Não é preocupação que lhes ocorra algo de mal, quanto a isso estamos tranquilos, mas pensamos neles durante a etapa, sim. Às vezes, durante a corrida, passamos num sítio difícil e como o carro deles é praticamente de série, dizemos que vão ver-se à rasca para passar lá”, explica Jorge Monteiro.
Paulo Rui anui e recorda um caso passado numa outra prova alentejana. “Na Baja TT Reguengos de Monsaraz passámos por eles e tinham o triângulo partido e uma roda arrancada. Já lá estava o mecânico e dissemos um ao outro que não valia a pena parar, mas fomos os dois o caminho todo a pensar. Naquelas partes onde não havia tantas notas, o Jorge disse que devíamos ter parado e rebocado os putos até ao fim. Respondi-lhe que ainda faltavam 60 quilómetros, era impossível rebocá-los. Se calhar conseguíamos dar-lhes uma ajuda, volta a dizer, passado um bocado.”
Curso decisivo
Pai é pai, seja em casa ou no desporto. “Eles estarem presentes é uma grande ajuda para nós. Têm muita experiência e respondem-nos a qualquer dúvida”, sublinha David Monteiro, que estuda Engenharia Mecânica em Leiria e esta sexta-feira completa 21 anos. João Ferreira também tem 21 e frequenta o curso de Engenharia Electromecânica em Coimbra.
Ora, são dois cursos com ligações aos automóveis, mas que “para já” ainda não têm qualquer utilidade nas provas em que participam, diz João Ferreira. “Ajuda muitíssimo”, corrige o pai.
“É que se não tiverem boas notas não tocam nos carrinhos de corridas. É por isso que aquilo ajuda muito. Não só ajuda como é essencial. Temos um contrato que enquanto eles forem capazes de fazer corridas e escola, fazem as duas. No dia em que não forem capazes de fazer uma delas ou não tivermos possibilidades de o fazer, deixam a que não é importante, que são as corridas.”
[LER_MAIS]Depois de cerca de dez anos nos karts, João Ferreira estreou-se em 2019 em bajas com a companhia do primo em segundo grau. A emoção é tudo o que pensavam? “É mais ainda”, diz. E com sucesso, pois voltaram a vencer a categoria em que competem na Baja Portalegre 500. Isto, precisamente uma década depois de os pais terem feito a mesma aposta, mas sem qualquer experiência competitiva, recordam os veteranos.
“Gostávamos de todo-o-terreno e há muito que acompanhávamos as bajas e as 24 horas de Fronteira. Sempre dissemos que um dia íamos participar e esse dia chegou. Estávamos na Praça Rodrigues Lobo a beber um whisky e aparece o Luís Porém, que nos disse que já tinha comprado o carro com que íamos fazer corridas. E foi assim que começou.”
Companhia no deserto
“Sem ninguém que ensinasse algo”, tiveram de ir aprendendo. Tornaram-se fortes competidores, apesar de mão levarem as coisas demasiado a sério. Apaixonados pelo deserto, todos os anos – menos em 2020 por causa da pandemia – participam numa grande prova em África.
Para 2020 já estão inscritos no Morocco Desert Challenge, prova de três mil quilómetros que lideraram em 2018 e 2019 até terem avarias diferentes “exactamente no mesmo local”. “Num ano partimos a transmissão. No outro, que foi corrido em sentido contrário, avariaram-se os dois alternadores.”
A partir desta sexta-feira ambas as equipas estarão em Badajoz para participar na Baja da Extremadura e assim fechar 2020, mas há uma grande possibilidade de a dupla mais nova fazer companhia à mais velha na edição de 2021 da maratona do deserto. “Têm de se portar bem, mas gostava que viessem fazer, aquilo é lindo. Sair do carro depois de seis horas de competição sem ver coisa alguma, tirar uma geladinha da arca e sentarmo-nos a olhar para as dunas é uma coisa…”
No entanto, será necessário encontrar o veículo certo para João e David irem com eles. No ano de estreia venceram a classe T2 em duas provas da Taça do Mundo, a Baja Aragón e a Baja Portalegre 500, mas vão ter de deixar o carro praticamente de série e encontrar um à medida de tal desafio.
Paulo Rui gostava que fosse uma Toyota igual àquela em que competiu durante três ou quatro anos. “Pensamos que é o certo para eles começarem. Um belíssimo carro, muito competitivo e fiável, mas também não lhes vamos facilitar a vida. Mesmo assim, vamos lá ver como vai correr. É que depois ninguém os atura.”