Tinha deixado de fumar há 14 anos, praticava desporto com regularidade, só bebia álcool “quando o rei fazia anos” e era “cuidadoso” com alimentação. Seguia, quase à risca, aquilo que, como médico, dizia aos seus pacientes. Estava, portanto, fora dos grupos de risco e não apresentava “qualquer sintoma”.
Foi, por isso, com “surpresa”, mas, ao mesmo tempo, “com “tranquilidade”, que Lopez Jesus recebeu o resultado de um exame de rastreio, que lhe detectou uma neoplasia no estômago. “Senti que me tinha calhado o euromilhões, porque, apesar de ter já uma metástase, ainda era operável”, recorda o médico, para quem o mais complicado foi contar à mulher e às filhas.
A cirurgia aconteceu um mês e meio depois, com o corte de parte do estômago. Seguiram-se os ciclos de quimioterapia e radioterapia, sem nunca interromper a actividade profissional, embora com horário um pouco mais reduzido. Trabalhava até às 17 horas e ia depois a Coimbra fazer os tratamentos.
“Manter-me em funções funcionou como terapia ocupacional e suporte emocional, que é fundamental”, diz Lopez Jesus, que um mês depois de terminar a quimioterapia já estava de volta às partidas de ténis e de golfe, os seus desportos de eleição.
“Não sou um herói. A capacidade de fazer as coisas como fiz depende muito das características pessoais, físicas e da doença”, afirma o médico, de 63 anos, que acredita que a forma como encarou o cancro ajudou. “Procurei viver para a vida e não para a doença”. Seis anos depois, já se considera “um sobrevivente” ao cancro.
Lopez Jesus é um dos mais 400 mil portugueses que já sobreviveram a uma patologia oncológica, que continua a ser segunda doença mais mortífera no País. Só as patologias cardiovasculares matam mais.
Mas, se é verdade que os tumores são hoje responsáveis por cerca de 25% das mortes em Portugal e que a sua incidência está a aumentar, com os últimos dados conhecidos a indicarem a existência de 50 mil novos casos por ano, também é verdade que que há cada vez mais portugueses a vencer a doença.
Um estudo divulgado no ano passado pelo Global Survival Cancer, que comparou registos de 37,5 milhões de doentes diagnosticados com cancro em 71 países, revelou que, na maior parte dos tumores malignos, a taxa de sobrevivência (cinco anos após o diagnóstico) melhorou em Portugal entre 2010 e 2014.
Em alguns dos tumores mais frequentes, como mama e próstata, o País regista mesmo percentagens de sobrevivência das mais altas da Europa. A excepção são os cancros do cólon, do recto e do estômago, que registaram valores ligeiramente piores do que no quinquénio anterior. Segundo aquele estudo, os cancros mais letais em Portugal são os do pulmão e pâncreas, enquanto o da próstata, leucemia e mama registam as taxas de sobrevivência mais elevadas.
“O diagnóstico de cancro já não é uma sentença de morte”, afirma Cristina Pissarro. A directora do Hospital de Dia do Centro Hospitalar de Leiria (CHL), frisa que, com o avanço das técnicas cirúrgicas e dos tratamentos, “ mesmo em diagnósticos feitos numa fase mais avançada”, “se houver uma boa resposta aos tratamentos”, esses pacientes “podem ter um prognóstico semelhante ao dos doentes com o cancro numa fase inicial e que é operado”.
A par do avanço das técnicas cirúrgicas, a oncologista realça os avanços nos exames de diagnóstico, que “permite definir com mais precisão a localização do tumor” e, dessa forma, intervir com “maior eficácia”.
Por outro lado, a melhoria dos métodos terapêuticos faz aumentar “o potencial de controlo da doença – “o cancro não se cura, controla-se”, nota a médica – em pacientes que, se calhar, há dez anos, eram colocados perante um prognóstico muito sombrio, uma quase sentença de morte”.
“Hoje em dia, ter uma doença oncológica e ser tratado com sucesso é cada vez mais frequente”, reforça Nuno Miranda, [LER_MAIS] coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, que atribui o aumento das taxas de sobrevivência a “mais diagnóstico precoce”, a “melhores métodos terapêuticos” e a “maior capacidade de suporte das complicações”.
O responsável acredita que ainda é possível obter melhores resultados, com mais investimento na investigação, com “o aumento da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde” e reforço da prevenção, sobretudo “nos tumores de alta letalidade”, como é o caso do cancro do pulmão, “muito relacionados com o tabaco”.
Para Lopez Jesus, especialista em medicina no trabalho, a palavra-chave quando se fala de cancro é “prevenção”, com uma aposta na “educação para a saúde”, intervindo na população saudável para a “afastar do risco”, através da mudança de estilos de vida.
“Como cidadãos, temos de assumir que parte do problema está na nossa mão”, defende o clínico, que considera também fundamental reforçar o diagnóstico precoce, através de rastreios. “Quanto mais cedo a patologia tumoral for detectada, maior é a capacidade de intervenção.”
Educar para o auto-cuidado
A par da “universalização” e “uniformização” dos programas de rastreio já existentes, como o da mama, colo do útero e colo-rectal, a oncologista Cristina Pissarro entende que é também importante “haver uma sensibilização” da população, para a adesão a esses exames e para a alteração de hábitos de vida.
A respeito deste último aspecto, a médica frisa que “quase todos os cancros têm como denominador comum o tabagismo e os estilos de vida não saudáveis”. A directora do Hospital de Dia do CHL sublinha ainda a importância de as pessoas darem atenção aos “sinais” do corpo, estando atentas a sintomas como “perdas de peso não explicadas, faltas de apetite sem causa aparente, perda de sangue nas fezes ou na urina ou vómitos que não se explicam”.
“Temos notado no nosso hospital que a faixa etária da incidência do cancro está a baixar, com muitos casos de doentes na faixa dos 40 anos. Doentes que nos aparecem com sangue nas fezes e que pensam que podem ser hemorróidas ou que associam determinadas dores no estômago ao stress e à sobrecarga de trabalho”, conta a média, que defende que “é preciso educar as pessoas para o auto-cuidado”.
Nesse sentido, a oncologista aconselha: “mesmo as pessoas mais novas e sem elementos na família com historial de cancro, devem reportar ao seu médico sinais de alerta para despistar eventuais problemas”.