O boom que se registou no turismo fez aumentar a procura de recursos humanos. É difícil encontrar as pessoas certas para fazer crescer os projectos?
Temos um instrumento que transformou o distrito de Leiria, que é o Politécnico. É de facto um grande projecto de desenvolvimento económico. Se hoje os hotéis e restaurantes do distrito não têm tanta dificuldade como os de outras regiões é porque conseguimos ter este projecto afinado. Mas há sempre dificuldades. Lidamos com um problema demográfico gravíssimo em Portugal, que tem como consequência a falta de trabalhadores.
Óbidos é um dos locais que pretendem cobrar uma taxa sobre as dormidas. Como vê esta medida?
Terei sido o primeiro autarca do País a propor uma taxa, na altura aprovada. O conceito era usar o dinheiro dessa taxa para cuidar e manter o património, que é a razão pela qual temos turistas em Óbidos. Todos sabem que procurei construir uma infra-estrutura turística assente na questão patrimonial e na animação do património. A política de eventos é filha desse pensamento. Sou a favor de que os turistas paguem uma taxa, desde que não seja muito cara e desde que o dinheiro dela resultante seja destinado a projectos relacionados com a promoção turística.
Foi mentor de muitas das iniciativas que colocaram Óbidos no mapa. O que responde aos críticos que dizem que a vila se transformou num salão de festas?
É uma crítica idiota, de quem não percebe o quanto um centro histórico precisa disso para continuar vivo. Esse é o discurso de quem indirectamente promove o abandono dos centros históricos. Por que é que Óbidos tem os turistas que tem e conseguiu ganhar alguma força económica? Era um dos concelhos mais pobres do distrito de Leiria. A Câmara não tinha dinheiro para nada. O turismo trouxe a Óbidos um melhoramento. Não é o paraíso, temos e continuaremos a ter problemas. Óbidos tem uma estratégia de desenvolvimento económico assente na animação do património. Fico muito feliz que tenha havido continuidade. Não estaria a investir em Óbidos se achasse que a Câmara não tinha a mesma visão. As visões não podem ser unipessoais. Se houve coisa boa para Óbidos foi ter novos executivos que mantêm a visão assente numa estratégia de continuidade. Se Óbidos continua com boas performances, deve-se um bocadinho a isso. O Mercado Medieval que está a acontecer [18 de Julho a 4 de Agosto] é a única coisa que nesta altura traz pessoas para dar vida à vila. Os eventos foram criados para acudir a uma necessidade de regeneração económica.
Há muitos turistas, mas a questão da residência continua a ser uma pecha…
E continuará. É uma característica dos centros históricos no mundo inteiro. O urbanismo dos centros históricos não é compatível com as necessidades contemporâneas, porque não se conseguem fazer garagens para os carros, não há elevadores nos prédios.
Concorda com os que pensam que já temos turismo a mais em Portugal?
Não temos turismo a mais. Sou um grande crítico deste governo, por não ter tido a coragem de ter já posto de pé o novo aeroporto. Rejeitamos turistas diariamente. É um massacre chegar a Lisboa e alugar um carro. Os nossos hóspedes aguardam duas horas por um carro, são filas intermináveis e este é o panorama de Lisboa diariamente. Um caos e um inferno. Não temos turistas a mais, não nos preparámos foi para a procura que andámos a provocar. Claro que há cidades, como Lisboa, onde deve haver regulação do urbanismo, nomeadamente das áreas históricas, face àquilo a que se está a assistir, que é uma invasão de novos residentes não nacionais, que estão a alterar por completo aquilo que é a sociabilidade local. Não poder haver sardinha até às tantas nas festas de Lisboa porque há estrangeiros que interpõem providências cautelares não me parece algo com que as pessoas da cidade concordem. As pessoas da cidade devem participar na sua construção. E aqui as autarquias têm um papel fundamental. Têm poderes suficientes – não se podem desculpar – para regular essas questões.
Não tem havido uma política consistente e estruturada para o turismo?
De uma certa maneira o alojamento local revolucionou o turismo e o mercado da regeneração e da reconstrução urbanas, mas também teve o efeito negativo que foi o facto de as pessoas preferirem converter os seus prédios para esse fim e não haver arrendamento. Mas esse é um efeito pernicioso que não nos deve fazer voltar contra o turismo, que tem beneficiado bastante os portugueses. Temo é que a falta de preparação das cidades e do País impeça um maior crescimento. Se saímos numa revista americana, a consequência é que vêm mais americanos. A solução não é abrir voos nocturnos. A demagogia política paga-se. Já podíamos ter um aeroporto para 50 milhões de pessoas há muitos anos, mas criou-se um certo consenso anti-Ota entre todos os partidos. Até os autarcas do Oeste pararam de lutar. Somos um país muito dominado por uma certa cobardia, uma certa falta de coragem, de risco e de força, uma certa falta de determinação em avançar com projectos importantes. E isso paga-se.
É que está acontecer a propósito da greve dos motoristas de matérias perigosas?
Temos o ministro a dizer [esta entrevista foi realizada no final de Julho] para as pessoas se abastecerem como se fossemos entrar num guerra civil. Acho isto inacreditável. É o discurso do medo, porque mesmo que não tenha essa intenção vai provocar uma preocupação nas pessoas, que vão correr a abastecer [os carros] e a comprar comida. O Governo tem de conseguir oferecer aos portugueses tranquilidade e segurança. É isso que o ministro tem de dizer, e não o contrário. Parece que já está a admitir que não vai conseguir resolver o problema. Nunca pensei assistir a este tipo de discurso e de medo colectivo que se fabrica a partir dele. Se os restaurantes ficarem sem carne e sem peixe, o que vai acontecer à economia? O sector do turismo é muito lato, toca em muita coisa. Todos os sectores serão contaminados.
Profissionalmente, teve uma experiência académica, depois autárquica e agora empresarial…
Sinto-me muito satisfeito por ter tido estas oportunidades diferenciadas. Queria muito mergulhar na economia real, o que me foi permitido pelo cargo na Câmara, mas no final já não tinha muita paciência para lidar com os organismos da administração central, com os ministros. Gosto de fazer coisas. O que está mais perto disso é ser empresário. Mas sinto que continua a haver um distanciamento brutal de boa parte da classe política em relação à realidade. Os representantes [políticos] vivem dentro dessa cápsula, discutem os temas deles, mas os portugueses têm outros temas, outras preocupações e outros medos. Sinto-me travado porque há organismos que continuam a demorar meses a aprovar projectos. Tenho, com outro investidor, um investimento de três milhões de euros parado há cinco anos e meio [aquacultura na Lagoa de Óbidos].
Essa incerteza e demora trava os investidores…
Trava investimento e criação de mais emprego. Os empreendedores estão a fazer uma coisa hoje e outra completamente diferente dentro de uns anos. Isto tem de ser considerado do ponto de vista político e fiscal, para que não parem de investir no País. Contentamo-nos com 2% de crescimento, quando devíamos ser um País obcecado por estar nos dois dígitos, por conseguir chegar aos 10%. Mas se chegamos aos 3% ficamos super contentes, é um foguetório como nunca se viu. Só que mesmo com esse crescimento não há nem alívio fiscal nem investimento púbico. Mas um partido que fadiga fiscalmente as pessoas e que não fez nenhum investimento público – não se conhece um novo hospital, não se conhecem reestruturações na área da saúde, da justiça – vai provavelmente ter maioria absoluta.
Que outros novos projectos tem na calha?
Fomos conseguindo nestes seis anos de trabalho um certo posicionamento e consolidação. A Carbono 21 é hoje uma das empresas do concelho de Óbidos que mais facturam na restauração. Os projectos precisam de tempo para se afirmarem. Temos tido alguns convites para ficarmos com espaços, mas temos feito sempre uma avaliação no sentido de perceber se o desafio se enquadra na nossa personalidade. A nossa ideia foi afirmarmo-nos local e regionalmente como uma boa empresa, com boas atmosferas e bons lugares.
Política nunca mais ou está aberto a novos desafios?
Vim para o sector privado para me credibilizar. Não é dentro da política que se ganha credibilidade. Ninguém quer políticos que não percebem o que acontece no dia-a-dia. Ser autarca ou deputado a vida toda não faz ganhar muita credibilidade. Eu quero ser um melhor político. Estou a fazer uma formação, a aprender como é que as coisas se fazem, como conseguir os equilíbrios para manter as portas abertas. Fazemos política a vida toda. Eu quero fazer. O facto de não ter nenhum cargo político… No PSD, que é o meu partido, o pensamento é este: deixei de ser autarca, saí da cápsula. Só os representantes é que falam uns com os outros.
[LER_MAIS] Sente-se excluído do partido?
A partir do momento em que passei a ser empresário, para o PSD passei a estar fora da política. De certa maneira, isso é uma exclusão. Porque a política é essa cápsula. Não quero ir em listas nem coisa nenhuma. Mas no momento em que se assiste a esta autêntica vergonha que é a formação das listas do Partido Social Democrata, o que se discute é quem vai das estruturas, não da sociedade portuguesa. Outro plano é se são muito ou pouco apoiantes do líder. Nunca pensei que isso pudesse ser critério de exclusão ou de aceitação. Temos é de ter tipos bons. Não acho que as pessoas devam sair [dos cargos] por lá estarem há muitos anos. É um discurso de renovação que é falso. Os bons devem ficar, e os bons devem entrar. O que são bons e o que são maus? Tem a ver com alguns critérios, mas aquilo que a direcção do partido faz é uma coisa muito vaga. As pessoas, sobretudo se forem cabeças de lista, têm de mostrar capacidade de intervenção política, têm de ser líderes. Entrarem só porque são jovens? Não me diz nada. Andamos a fazer muita cosmética. Por que não fazemos mas é uma renovação das ideias? Precisamos de ser de um partido pelas ideias, não por uma razão histórica, afectiva ou social. Não são precisas mil ideias, são precisas quatro ou cinco muito boas. Mas temos um partido que criou há um ano um órgão para desenvolver novas ideias mas que é um fiasco completo.
Sustentabilidade e criatividade sustentam projectos empresariais
“Para que os projectos tenham sucesso económico é fundamental usarmos a vertente cultural. O que aplico é o que preguei na câmara: sustentabilidade e criatividade”. Durante os três mandatos que cumpriu como presidente da autarquia de Óbidos, Telmo Faria foi responsável pela dinâmica de novos eventos que colocou a vila no mapa.
Em 2008 a imprensa dedicada ao turismo distinguiu-o como personalidade do ano e o Governo atribuiu-lhe a medalha de mérito turístico pelo “excelente trabalho desenvolvido no município de Óbidos, através da promoção, divulgação e sensibilização das vertentes culturais e turísticas daquele local”. Em 2009 foi distinguido como autarca empreendedor do ano nos Prémios Gesventure.
Deixou o cargo em 2013 por limitação de mandatos e dedica-se agora a vários projectos na área da hotelaria e restauração. Com a esposa, Marta Gacia, gere o hotel Rio do Prado (onde existe um restaurante e uma loja de roupa de luxo), nas margens da Lagoa de Óbidos, o hotel The Literary Man (antiga Estalagem do Convento), na vila, e também o restaurante The History Man, igualmente no centro da vila, que abriu em Setembro do ano passado.
O conceito subjacente assenta numa “lógica de especialização inteligente”, com a cultura, e nomeadamente os livros, como pano de fundo. No The Literary Man, por exemplo, existem 70 mil livros. O Rio do Prado, que pretende “ser uma das unidades mais sustentáveis do mundo”, também evidencia a vertente cultural, ostentando no jardim cerca de 15 mil exemplares de livros de uma colecção doada pela Fundação Gulbenkian.