Chega de sorriso aberto. Abre a porta e cumpre o ritual de descalçar os sapatos, guiando-nos para o interior do templo. Em Portugal há 12 anos, Abbas Mohamed Botão, moçambicano, é o imã da mesquita que, desde 2022, funciona no rés-do chão de um prédio na rua Francisco Pereira da Silva, em Leiria.
É o segundo templo muçulmano a abrir na cidade – o outro fica na Quinta do Alçada – e funciona paredes-meia com o seminário diocesano e a uma curta caminhada da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Igreja Mórmon), instalada no cruzamento da avenida Marquês de Pombal com a rua Henrique Sommer. Num raio de pouco mais de 200 metros existem, assim, lugares de culto católico, islâmico e da Igreja Mórmon.
“Indica amizade, paz”, com uma convivência “sem confronto ou disputa entre religiões”, assinala Abbas Botão que, entre 2012 e 2022, serviu no templo da Quinta do Alçada. Conta que o crescimento da comunidade, em resultado do aumento da presença de imigrantes vindos de países maioritariamente muçulmanos, revelou a necessidade de uma segunda mesquita, “mais no centro” de Leiria.
“Havia muitos crentes que não conseguiam ir à Quinta do Alçada. Aqui fica mais perto. Optaram por criar um outro espaço e convidaram- -me”, adianta o guia espiritual, revelando que o templo é frequentado, sobretudo, por pessoas vindas do Afeganistão, Paquistão, Uzebaquistão, Moçambique, Bangladesh, Marrocos, Tunísia e Somália.
O momento alto da actividade da mesquita é a oração de sexta-feira, que “enche todo o espaço”. Se calhar em dia de feriado, torna-se necessário “fazer dois grupos”. Ao fim-de-semana, há também a catequese, frequentada actualmente por cerca de duas dezenas de crianças, a quem o imã ensina a ler o Alcorão em árabe – o livro sagrado dos muçulmanos – em árabe. “Não se aprende a língua árabe. Aprende-se a ler o Alcorão”, especifica Abbas Botão.
Diariamente, há cinco momentos de oração no templo, o primeiro pouco antes das seis da manhã e o último antes das 19 horas, todos antecedidos do “chamamento”. “É feito cá dentro, em voz baixa. Não usamos altifalante, colunas ou microfone”, assegura o imã, frisando que, quando o espaço abriu, a “primeira preocupação” foi a de isolar o local, com tecto falso, de modo a não incomodar os vizinhos. “Nunca tivemos nenhuma queixa. Às vezes, pedem-nos para visitar e apreciar o espaço.”
Imigração ajuda igreja a crescer
Uns metros mais abaixo e também “em crescimento”, funciona a Igreja Mórmon, presente em Leiria “há mais de 20 anos”, avança Bruno Pereira, de 34 anos, que é o actual pastor. Nascido em Viseu, onde cresceu no seio de uma família católica, o programador informático converteu-se à Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias aos 23 anos.
Serviu como missionário – ou élder – durante dois anos na Grécia, onde, além da tarefa de “ensinar sobre Jesus Cristo”, ajudou num campo de refugiados. Uma experiência “extraordinária”, garante. “Os missionários ensinam a doutrina, mas também devem participar em serviços e projectos comunitários”, explica Bruno Pereira, referindo que é precisamente na doutrina, mas também na prática, que residem algumas das diferenças que distanciam os mórmones dos católicos, evangélicos e protestantes.
“Nós acreditamos que a igreja foi restaurada através de um profeta, um jovem de 16 anos chamado Joseph Smith, que afirma ter visto o Pai e Jesus Cristo, que para num mórmon são entidades distintas”, expõe o pastor, que aponta também como diferença o baptismo, que, entre os mórmones, é feito de imersão e só a partir dos oito anos, podendo ser ministrado por um qualquer membro da comunidade com mais de 16 anos.
Tal como acontece com os católicos, a celebração semanal para os mórmones faz-se ao domingo, com a reunião sacramental, onde se faz a “partilha do pão e água – não bebemos álcool” – e de discursos proferidos por membros da congregação convidados para tal. Seguem-se as reuniões dominicais. “São aulas, divididas por classes, do berçário aos adultos, onde, mais uma vez, se fala do Evangelho e de Jesus Cristo”.
Segundo Bruno Pereira, nestas sessões de domingo a igreja mórmon de Leiria reúne, “em média, 250 pessoas”, vindas também dos concelhos vizinhos. “Há quatro anos, quando cheguei a Leiria seriam umas 80”, avança o pastor, que atribui este crescimento, sobretudo, à imigração oriunda do Brasil. “Perto de 90% dos actuais membros são brasileiros”, estima o pastor para quem a presença, quase lado a lado, de templos de várias religiões é um sinal de “aceitação e respeito”.
“A liberdade religiosa é uma das dimensões fundamentais da liberdade de consciência que deve ser garantida a todo e qualquer cidadão, dentro de uma sociedade plural e servida por um Estado não confessional ou laico”, reforça José Ornelas, bispo da Diocese de Leiria-Fátima, que, até ao final do ano ou no início do próximo, mudará a sua residência para o edifício do Seminário.
Erguido nos primeiros anos da década de 60 do século XX, o imóvel deixou de receber seminaristas em 2010, passando a acolher vários serviços da diocese, como o centro de formação e cultura, a escola de formação teológica de leigos e movimentos diocesanos. No edifício, para onde recentemente foi transferida a câmara eclesiástica, existe ainda uma casa de retiros e um centro pastoral diocesano.
“Sem deixar a sua vocação primeira e específica de formação, [o edifício] foi encontrando também soluções para os novos desafios diocesanos”, assinala o padre Armindo Janeiro, reitor do Seminário. Já em relação à igreja do Seminário, o sacerdote esclarece que a mesma não está aberta ao culto, sendo usada pelos “serviços da diocese, movimentos e grupos diversos no âmbito das suas actividades pastorais”. Há, no entanto, um outro espaço no edifício do Seminário – a capela dos Pastorinhos, onde se celebra missa todos os dias, excepto ao domingo, às 8 horas.