O ano passado, durante o jantar que se seguiu à sua brilhante prestação no encerramento de mais um Ciclo de Música Exploratória Portuguesa, certame que a Fade In tem levado a cabo na cidade de Leiria desde 2021, Rafael Toral levantava o véu sobre o seu próximo trabalho, que já estava gravado, e que viria a ver a luz do dia no primeiro trimestre de 2024.
Na altura, numa conversa que também versou sobre tantos outros assuntos, e ainda inebriado pelo concerto que este excepcional músico português acabara de proporcionar na Igreja da Misericórdia, nem retive muitas das preciosas informações que, amável e humildemente, Toral partilhara comigo.
Agora que vejo esse mesmo trabalho no topo das listas de melhores discos de muitas das publicações mais reputadas do mundo, sinto que vivi um momento especial e privilegiado, sem ter a noção disso no momento em que o vivi. O álbum a que me refiro chama-se “Spectral Evolution” e saiu em Fevereiro, nos EUA, com selo da Moikai, editora dirigida por outro grande nome mundial, Jim O’Rourke.
Não é a primeira vez que Toral consegue fazer figurar o seu nome na elite dos nomes internacionais. Esse é um feito que já alcançara nos anos 90 com influentes discos de drone de guitarra como “Sound Mind Sound Body” e “Wave Field” (ambos reeditados pela Drag City nos últimos anos). “Spectral Evolution” é o resultado de três anos de experimentação e gravação, e sintetiza os conhecimentos de mais de trinta anos de pesquisa musical que o músico português foi serenamente acumulando.
Nos últimos anos, o trabalho de Toral tem vindo a entrar numa nova fase, muitas vezes ainda centrada no arsenal de instrumentos autoconstruídos desenvolvidos, mas com um interesse renovado nos tons longos e texturas quase estáticas que marcaram o seu regresso, após mais de uma década, à guitarra eléctrica.
“Spectral Evolution” é, sem dúvida, o trabalho mais sofisticado de Toral até à data, reunindo fios aparentemente incompatíveis de toda a sua carreira numa nova e poderosa síntese, experimental como (quase) sempre e emocionalmente contemplativo como poucas vezes ousou ser antes.
Um trabalho soberbo, que se ouve num só rasgo de 47 minutos, que nos faz viajar entre o embalo e o sobressalto, e que em 2024 ombreia, lado a lado, com alguns dos nomes mais conhecidos do planeta. É tão bom sentir orgulho alheio.