Estudar no ensino superior está cada vez mais caro, especialmente, quando é necessário sair de casa e rumar a uma nova cidade e aí buscar alojamento.
O preço dos quartos e a alimentação representam a maior fatia dos custos de entrar na universidade ou num curso do politécnico.
O Iscte-Instituto Universitário de Lisboa fez as contas e concluiu que, estudar no ensino superior custa, em média, 903,9 euros todos os meses.
As conclusões do estudo, realizado no âmbito da iniciativa europeia Eurostudent VIII, que analisou as condições de vida e de estudo de uma amostra de mais de dez mil estudantes no ensino superior podem ser consultadas no site da Direcção-Geral do Ensino Superior.
Em média, em Caldas da Rainha, onde está situada a Escola Superior de Artes e Design, do Instituto Politécnico de Leiria, o alojamento custava 250 euros por mês.
Em Julho, em Leiria, cidade onde existem três escolas superiores do mesmo politécnico, o valor atingiu os 280 euros (uma subida de 12% num ano) e, em Coimbra, os estudantes da universidade tinham de desembolsar, em média, 300 euros, no final do primeiro semestre, por um quarto (mais 7% do que em 2023).
Estes valores resultam de uma análise do Idealista, publicada na semana passada, relativa aos seis primeiros meses do ano.
O site alerta que os números poderão estar desactualizados.
[LER_MAIS]Perante este cenário e após o anúncio do primeiro-ministro, Luís Montenegro, de que todos os portugueses vão poder auferir de um passe mensal para comboios, no valor de apenas 20 euros, seria viável um estudante, de Caldas da Rainha, usar a Linha do Oeste para se deslocar até às aulas em Leiria, ou vice-versa, replicando os movimento pendulares que milhares de outros alunos fazem nas periferias de Lisboa e Porto?
É que pagar apenas 20 euros em vez dos 250 ou 300 que custa um quarto noutra cidade, permitiria uma considerável folga no orçamento familiar.
Caldas da Rainha e Leiria distam 57 quilómetros e 70 minutos de carro, caso se evite a A8.
Coimbra e Leiria estão ligeiramente mais afastadas – 70 quilómetros e 75 minutos em automóvel.
Em comboio, a duração da viagem entre estas cidades é, em média, de 50 minutos, e de 1:40 horas, respectivamente (ver quadro).
Um aluno que habite em Sintra e estude em Lisboa, por comparação, demora 56 minutos de carro ou 1:52 horas de comboio, para percorrer 56 quilómetros.
“No papel resulta”
“No papel resulta, mas na prática, não. Durante a pandemia a minha filha Inês tirou o curso de Design, nas Caldas da Rainha. Tentou fazer esse esquema de apanhar o comboio de manhã, bem cedo, e regressar ao final do dia. Rapidamente, desistiu e optou por um quarto na cidade”, conta Joaquim Duarte.
O arquitecto de Leiria recorda que era impossível compatibilizar os horários dos comboios com os da escola. “A logística não funcionava.”
A ausência de intermodalidade e de horários que sirvam a população estudantil e os trabalhadores que se deslocam entre as várias cidades e vilas situadas entre Coimbra e Leiria levam a que a Linha do Oeste continue impraticável.
“Superficialmente”, a ideia, para a presidente da Associação de Estudantes da Escola Superior de Tecnologia e Gestão, de Leiria, tem razoabilidade, mas não resiste a uma análise mais aprofundada.
“Para os estudantes que continuam a viver em casa dos pais, seria uma vantagem se pudessem usar um meio de transporte mais barato, já que está mais caro usar carro próprio para as deslocações, e os preços dos quartos estão entre os 250 e 300 euros”, diz Anita Heitor.
Para a aluna do curso de Contabilidade e Finanças a ideia choca com a realidade.
“Não é prático para quem quer ter vida académica, ficar a estudar até tarde ou tem trabalhos de grupo e tem aulas a começar às oito da manhã e a ter- minar por volta das 23:30 horas.”
Já para Renato Daniel, presidente da Associação Académica de Coimbra (AAC), o passe de 20 euros é benéfico mas, para os estudantes, não é ideal, uma vez que já usufruem do passe sub23 gratuito, criado pelo anterior Governo, mas que não pode ser utilizado independentemente da zona de origem.
“Em vez de investir em novos passes de 20 euros, o Governo deveria corrigir esta situação, para que, um estudante que venha de Leiria, possa usar o passe tanto na sua cidade de origem, como em Coimbra.”
Tendo em conta os horários dos transportes ferroviários, Renato Daniel diz que será muito difícil conseguir sucesso académico, perante os períodos de mobilidade oferecidos pela CP.
“Com deslocações de hora e meia entre Leiria e Coimbra, parece-me complicado um estudante usufruir da sua formação em plenitude no seio do ensino superior”, afirma, baseando-se na sua própria experiência.
“Tive de abdicar dessa viagem e arranjar um quarto em Coimbra, porque o tempo de viagem é impraticável.”
Contudo, diz, se os preços da habitação para estudantes “não levarem um travão”, essas opções passarão a ser ponderadas pelos estudantes.
“Estamos muito atrasados em relação ao tema das deslocações em transportes colectivos concelhios e inter-distrito.
A ferrovia é um dos grandes investimentos prioritários que o Estado tem de pensar. É preciso reforçar a mobilidade sustentável através de autocarros não poluentes, de forma a garantir que há mais oferta e que as pessoas deixam de levar o carro para o local de trabalho, beneficiando a organização urbana.”
O director da Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha (ESAD.CR) é peremptório: “compensa mais arrendar um quarto nas Caldas, devido ao tempo que se perde nas deslocações”.
O docente recorda que um estudante nas Caldas da Rainha que chega às 20 horas a Leiria, no dia seguinte, tem de acordar às 5:30 horas, para apanhar o primeiro comboio da manhã que lhe garante chegar a tempo da primeira aula.
João dos Santos relata a sua própria experiência na Linha do Oeste, quando, há alguns anos, costumava deslocar-se entre a ESAD.CR e o seu lar, na cidade do Lis, e chegou a ter de ir a pé da estação até ao centro da cidade, por não haver autocarros.
Acabou por desistir de “um dos mais agradáveis meios de transporte”, porque a CP resolveu fazer alterações “para melhorar o serviço”.
“Foi avisada uma mudança nos horários. O resultado foi que deixaram de servir as pessoas e os comboios começaram a andar mais vazios. As notícias seguintes foram o corte nas viagens, porque os comboios tinham poucas pessoas.”
O director faz a comparação com a Linha de Cascais, onde as composições também circulavam vazias.
Especialistas franceses foram contratados e concluíram que os utentes não confiavam no serviço, por acreditarem que, o mais provável, era ficarem muito tempo à espera.
A recomendação foi que a frequência dos comboios fosse aumentada e não se esperasse mais do que 15 minutos.
Deste modo, deixou de haver a sensação de que não havia resposta da ferrovia.
Tal como os especialistas franceses, João dos Santos é crítico dos horários na Linha do Oeste, tanto para sul como para norte.
“Não sei se são para servir as pessoas que vão para Lisboa, se são para as que vão para as fábricas, mas parece que não servem ninguém. Imaginem, um estudante que vai de Leiria para as Caldas às 6:30 da manhã e às 11 não tem mais aulas e só há um autocarro ou comboio às 16 horas…”
O director compreende que um aluno que gaste 20 euros no passe anunciado pelo Governo poupa os 230 euros de um quarto, porém, do ponto de vista da sua vida académi- ca ficará “alienado”.
“Se não viver em Caldas da Rainha, poderá ficar desligado do meio estudantil e sabemos que os jovens têm cada vez mais dificuldades de socialização.”