Se alguém pudesse olhar para nós lá do alto, veria que o mundo está repleto de pessoas que correm apressadas, transpiradas e muito cansadas, e que atrás delas correm, atrasadas, as suas almas perdidas…” (Olga Tokarczuk, in ‘A Alma Perdida’ Ed. Fábula 2020).
Sustenho-me neste magnífico excerto, para relevar que a noção de tempo – passado, presente, futuro e dos seus encadeamentos – converte essa variável espácio-temporal num juízo humano, dimensão que gera (des)equilíbrios ou (des)harmonias, podendo conduzir a cronopatologias ou a enfermidades do tempo.
A cronopatologia remete para a correlação patológica entre o estilo de vida contemporânea e o tempo voraz, indomável e invencível. Apesar de, ineficientemente, o ousarmos gerir, domar ou regenerar, (in)conscientemente, consideramos a sensação de um “tempo-morto”, uma espécie de passado ausente, ou a incapacidade de perspectivar o futuro, como marcadores somáticos das doenças do tempo.
E o que nos sobeja, ao fim de dias, semanas ou meses de vida em contra-relógio, nesse frenesim ponteado pela ‘multitarefa’ e pela imposição de objectivos pessoais ou profissionais, nem sempre justos? Uma sensação de caos rotineiro e de cansaço que pode conduzir a episódios depressivos, ansiosos, desesperança ou burnout.
Para tratar estas doenças do tempo (e o tempo da doença), poderemos usar antídotos como a ‘cronoterapia’. Cuidar do ser humano é reinseri-lo numa temporalidade harmoniosa onde o futuro vai procurar forças ao passado, e a memória enxameia a esperança. Esse é o contributo das narrativas e da leitura em contexto real: primeiro, porque a leitura impõe a necessidade de uma pausa no caos rotineiro, exige um intervalo (uma suspensão do tempo frenético); depois, porque essa claridade possibilita que o poder das palavras que lemos se manifeste: suscita e apazigua emoções, resgata memórias, induz associações diversas com a nossa experiência de vida, conduz a extrapolações.
Há a experienciação de uma temporalidade organizada, um fio condutor com princípio, meio e fim, que nos ajuda a ligar passado, presente e futuro, capacidade que perdemos nas teias da desordem da modernidade. Henry Thoreau afirmou: «Se eu não for eu, quem será no meu lugar?». Re-acertar a alma com o tempo é um desafio permanente.
Quando lemos, aparentemente, não fazemos nada. Más há uma eternidade imóvel que vibra em nós quando nos emergimos nas páginas de um livro. Ler silencia os rumores e as queixas, refreia a maledicência interior que leva a depreciar-nos. Talvez nesses instantes que devemos ampliar, o reencontro connosco mesmos e o sentimento puro de existência, nos evoquem a inocência da infância.
Ler é brincar com as palavras e faz-nos reatar as eternidades infantis. Porque a alma é uma testemunha intemporal da deslocação do corpo. «O difícil não é imitar a grandeza com a desmesura. O difícil é que a alma não seja anã» (Virgílio Ferreira).