O passado domingo foi um dos dias mais felizes na vida de Tiago Piedade. Este jovem de Fátima, de 28 anos, completou com sucesso os 1.900 metros a nadar, 90,1 quilómetros a pedalar e os 20,1 quilómetros a correr naquele que foi o primeiro IronMan em Portugal, realizado em Cascais.
Mais importante, provou a si próprio que não existem limites para os seus sonhos e que é capaz de ultrapassar todo e qualquer desafio que tenha pela frente.
Há pouco mais de três anos, Tiago era uma sombra do jovem desportista que na recruta tinha sido o melhor nos desafios físicos. A culpa foi das “más companhias”, que o levaram primeiro para o tabaco e para o álcool e, daí, o salto para as drogas “hardcore” foi apenas um curto pulinho.
Perdera peso, estava com 47 quilos e vivia enterrado no sofá, incapaz, até, de dar comida à filha. “Sem paciência” para quem quer que fosse, tinha pouca ou nenhuma vontade de viver.
“Cheguei a um patamar que não queria”, admite. Teve “ataques de stress e de ansiedade” e chegou à “depressão”.
Precisou de recorrer a um psiquiatra, teve de ser medicado, mas com a ajuda dos pais, do irmão, da madrinha, da esposa e do belo sorriso da filha conseguiu sair do buraco. “Só o consegui porque nunca desistiram de mim”, admite.
Um dia, como que por magia, já em processo de recuperação, Tiago tropeçou no triatlo. Olhou para aquela modalidade, percebeu que era uma “prova de superação” e quis que aquele desporto fizesse parte da sua vida. Inscreveu-se no Fátima Escola de Triatlo e começou a evoluir.
Depois de terem assistido ao “filme de terror”, os pais quiseram vê-lo bem, sentiram que o rapaz “estava a voltar ao que era” e resolveram oferecer-lhe todo o material necessário: bicicletas, sapatilhas, fatos…
Se de corrida e ciclismo tinha boas bases, de natação nem por isso e foi aí que teve de se aplicar a fundo. Na verdade, este técnico de terminais multibanco treina de 20 a 25 horas semanais. “Não para ganhar medalhas, mas para ser melhor pessoa, com um corpo são e uma mente sã.”
[LER_MAIS] E foi com este espírito que no domingo partiu para a aventura de uma vida, para a prova que precisava para voltar a sentir-se de consciência limpa e com um corpo de ferro. O apoio nunca faltou.
Família e amigos espalharam-se pelos locais do percurso, sempre com uma palavra de apoio para o campeão. Por causa da adrenalina, nem dormiu na noite que antecedeu a prova.
E, com os nervos, também não aqueceu. Com a partida foi-se a ansiedade e Tiago absorveu as boas sensações e desfrutou das mais de cinco horas que demorou a concluir a prova.
A motivação ia crescendo com as “boas sensações” e as palmas de amigos e desconhecidos. Escondida no material, a foto da filha Núria e da esposa Cátia. Apesar do esforço, o sorriso raramente saía da cara do rapaz. A felicidade era o estado de alma.
“Aproveitei cada momento. Passei a prova a dar força ao pessoal e a conviver. Lembro-me de ver um menino ao colo do pai com a mão esticada, à espera que alguém lhe desse um high five, mas ninguém ia. Fiz um pequeno desvio e lá fui eu. O menino ficou tão feliz…”
A parte final dos 20 quilómetros de corrida, Tiago fê-la nas calmas. Não que estivesse nas lonas, mas porque não queria que aquele primeiro dia do resto da sua vida tivesse associado a grandes sofrimentos. “Queria aproveitar cada momento”, explica.
Chegou à recta final e nem sequer foi directo à meta. Passou largos momentos a abraçar aqueles que nunca lhes viraram as costas, mesmo quando pouca coisa na sua vida fazia sentido. Emocionou-se, pois claro. Mesmo durante a prova, por diversas vezes teve os olhos marejados de lágrimas.
As cinco horas e 24 minutos que lhe valeram o 507.º lugar entre os 1.673 finishers pouco ou nada lhe dizem.
“Foi tudo tão perfeito que não deu para pensar em coisas menos positivas. Fiquei com a certeza de que sou melhor do que todos os meus obstáculos. Quero continuar a fazer triatlos e o próximo será a breve prazo, ainda mais duro, com o dobro da distância deste. Porque nunca mais quero parar de viver a vida.”