Encontram-se para desenhar e desenham para contar o que vêem. No primeiro ano de actividade, os fundadores do Lesk andaram por Leiria, Monte Real, São Pedro de Moel, Porto de Mós, Óbidos, Lisboa, Porto, Aveiro, Lousã, Vila Velha de Ródão, Torres Vedras e Montemor-o-Velho.
Quem corre por gosto, não cansa – e para um sketcher poucas coisas superam a magia do traço sobre papel. Se a fotografia "é um piscar de olhos", o desenho "é um namoro prolongado", resume Leonor Lourenço, a principal impulsionadora do Lesk – Leiria Sketchers, que é a embaixada oficial em Leiria da associação Urban Sketchers Portugal.
Os diários gráficos mostram 12 meses de intensa actividade, desde Dezembro de 2017, com registos do festival Extramuralhas ao Leiria Sobre Rodas, do dia aberto na base aérea de Monte Real aos ensaios da companhia Olga Roriz no Teatro José Lúcio da Silva. "Como observamos mais os pequenos detalhes, sinto que ficamos com um olhar de criança. Parece que há um regresso à infância em que tudo é novo".
O ilustrador e jornalista Gabriel Campanario, natural de Barcelona mas a viver no Estados Unidos, é reconhecido como o inventor do movimento Urban Sketchers, em 2007, na cidade de Seattle. Um colectivo alimentado por autores para quem um desenho não é apenas um desenho, é a oportunidade "de permanecer no lugar o tempo suficiente para sentir os cheiros, os ruídos e as sensações do momento", explica José Carlos Mendes, também ele fundador do Lesk.
Não há liberdade sem regras e a liberdade dos Urban Sketchers expressa-se através de um manifesto, com oito mandamentos na primeira pessoa: desenhamos in situ, no interior e no exterior, registando directamente o que observamos; os nossos desenhos contam a história do que nos rodeia, os lugares onde vivemos e por onde viajamos; os nossos desenhos são um registo do tempo e do lugar; somos fiéis às cenas que presenciamos; usamos qualquer tipo de técnica e valorizamos cada estilo individual; apoiamo-nos uns aos outros e desenhamos em grupo; partilhamos os nossos desenhos online; mostramos o mundo, um desenho de cada vez.
O lema do grupo de Leiria é uma espécie de nono mandamento: desenhar com alegria. Os 13 membros mais activos são professores, empresários e médicos, entre outros ofícios, para quem o que importa é a paixão pelo desenho, o convívio e a troca de conhecimentos e experiências. É o espírito de partilha que os leva a perpetuar cada encontro numa fotografia e a exibir os trabalhos à vista de todos, no local e na internet.
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Em Julho, à boleia do simpósio internacional realizado no Porto, o jornal Público ouviu Gabriel Campanario contar como tudo começou. Tinha acabado de chegar a Seattle e queria melhorar como ilustrador e desenhador. Comprou um pequeno caderno, passou a desenhar tudo o que via e criou uma comunidade na rede social Flickr.
No ano seguinte, a 1 de Novembro, surgiu pela primeira vez o blogue Urban Sketchers. “Convidei aqueles de que gostava mais. Disse-lhes ‘vocês são os correspondentes nas vossas cidades’. Para além do desenho, teria um comentário sobre a própria experiência. Pedi que contassem um pouco mais daquilo que está a acontecer nas suas cidades".
Ou seja, em vez de postais bonitos, pequenos documentários: determinado lugar num determinado momento. Actualmente, o directório ultrapassa os 3.500 autores, baseados em países tão diferentes como o México, a Austrália, a Suécia, o Vietname, a Sérvia e a Etiópia. Só no Porto, em Julho, estiveram 800 desenhadores urbanos vindos de todos os continentes.
E há sempre algo novo para descobrir. Seja o tema o Museu Nacional dos Coches, a praia fluvial da Eireira ou as memórias queirozianas em Leiria, por onde o Lesk circulou em 2018. "O interessante disto é precisamente levar-nos a desenhar os ambientes e os sítios por vezes improváveis. Somos postos em circunstâncias muito fora do comum para desenharmos", explica José Carlos Mendes. Logo, "o urban sketcher obriga-se a si próprio a olhar para as coisas com outro olhar, mais analítico". A observar mais e melhor, mesmo quando as condições não são as melhores, como naquele ensaio da companhia Olga Roriz, num Teatro José Lúcio da Silva praticamente às escuras.
Informal e descontraído, o movimento Urban Sketchers mantém duas características importantes: o respeito pelo estilo individual e a reprodução fiel das circunstâncias. "Muitas vezes, as pessoas ao desenharem os monumentos fazem o bonequinho do monumento e tiram os carros todos. Ora bem, o que dá autenticidade são precisamente esses elementos que fazem parte da paisagem urbana, que dão um cunho mais real", salienta José Carlos Mendes.
Sejam carros, sinais de trânsito, cabos de electricidade ou gruas, pertencem ao cenário. "Sempre me fascinaram as gravuras antigas que representavam cidades e ambientes, antes da invenção da máquina fotográfica, davam a conhecer um mundo".
Se o presente e o passado cabem num diário gráfico, o futuro ao sketcher pertence. Para já, "está na calha" a edição de um livro com desenhos seleccionados de entre os membros do Lesk. Depois, "o caminho faz-se a caminhar", afirma Leonor Lourenço. E "esta interrogação também é boa".
Em Janeiro, com o apoio do Município de Leiria, o grupo Lesk – Leiria Sketchers assinala o primeiro ano de actividade com um programa no Museu de Leiria em que o prato forte é a sessão de formação orientada por Paulo Mendes, sketcher que representou Portugal no simpósio internacional do Porto, no mês de Julho. Está também prevista uma exposição, a inaugurar no próximo mês, em Leiria, com trabalhos realizados nos encontros do Lesk, ao longo dos últimos 12 meses, que retratam Leiria e os arredores da cidade. Desde a primeira reunião, em Dezembro de 2017, o Lesk somou quase 200 inscritos, com participações de sketchers de Lisboa, Porto, Santarém, Montemor-o-Velho, Aveiro e Coimbra, além de Leiria. Organizou praticamente um encontro por mês, dos mais livres (desenhar Leiria, São Pedro de Moel ou Porto de Mós) aos mais delimitados pelo tema (as margens do rio Lis, o castelo, as memórias queirozianas, o roteiro Korrodi, o glamour da aviação nos anos 50). Outros encontros passaram por Monte Real (no dia aberto da base aérea), Óbidos (durante o festival Latitudes, dedicado à literatura de viagens), Vila Velha de Ródão, Montemor-o-Velho, Aveiro, Lisboa (A Riscar o Património no Museu Nacional dos Coches), Lousã e Torres Vedras (no encontro nacional de desenho de rua e no encontro nacional de aguarela). Durante o ano de 2018, os sketchers do Lesk estiveram também representados em exposições no Museu Nacional dos Coches (em Lisboa), no Zine Fest PT (no Porto) e na Casa da Música (em Óbidos). O grupo está sempre aberto a novos membros. "Pessoas que gostam de desenhar e se querem divertir", resume Leonor Lourenço, uma das fundadoras. "E quando vêm pessoas quase a zero e sentem acolhimento, para nós é muito gratificante".