Já imaginou conhecer a Nazaré e todas as suas tradições, da arte da pesca, ao artesanato, passando pela Festa do São Brás, popularmente conhecida como Festa das Chouriças, pelo corso carnavalesco, pelas sete saias ou até pela técnica de secar peixe, tudo ensinado pelos artífices e gentes da terra?
É assim que o Nazaré Criativa vê o futuro do turismo na mais idiossincrática das comunidades da região. O projecto propõe um modo de entrar em contacto com o território, através da criatividade, aliando os benefícios do mar e do sol à identidade dos locais e participação dos visitantes na materialização de técnicas antigas e objectos tradicionais.
Os turistas, além de se alojarem nos espaços da região que estão visitar, podem aprender e entrar em contacto com artífices e artistas que valorizam ou reinterpretam as marcas identitárias locais.
“Este é um projecto que não tem um substrato comercial e que vale pelo amor à terra, com o intuito de valorizar a Nazaré, através de uma rede de parcerias”, esclarece Célia Quico, uma das pessoas à frente da iniciativa.
Este projecto-piloto tem uma duração de dois anos utilizados para que seja testado um conjunto de actividades ligadas ao turismo, em associação com artistas plásticos, escritores, músicos, fotógrafos ou artífices da Nazaré ou com uma forte ligação ao território, com o objectivo de proporcionar aos visitantes uma experiência diferente e uma outra forma mais imersiva e criativa de conhecer a vila.
O Nazaré Criativa foi um dos 20 projectos seleccionados a nível nacional para integrar o grupo de pilotos do projecto de investigação Creatour, e elegeu como grandes linhas de actuação explorar, em conjunto com os visitantes da região, outras facetas locais que, muitas vezes, não estão trabalhadas, mas que constituem mais-valias, na abordagem a um turismo sustentável e capaz de preservar os mais tradicionais elementos da cultura local.
A iniciativa de candidatar a “terra da onda” a este projecto piloto foi da Casas do Quico, uma empresa familiar da Nazaré que se dedica ao alojamento local. O projecto é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, através de fundos nacionais e co-financiado pelo FEDER, através do Programa Operacional Competitividade e Inovação Compete 2020 e dos Programas Operacionais Regionais de Lisboa e do Algarve.
Fotografia e bonecas de pano da Nazaré
Dar a conhecer a maior riqueza da terra, que, para o Nazaré Criativa, são as suas pessoas, foi um dos objectivos da iniciativa que terá contado para que, de um total de 140 propostas, esta tenha conseguido ser um das 20 a nível nacional e a única do distrito de Leiria a integrar a primeira fase do Creatour. Mas como se faz a ligação entre visitantes e parceiros locais?
Através de oficinas, exposições, colóquios e debates. A primeira das acções acontece já este sábado, dia 27 de Janeiro, e será uma foto-expedição que terá lugar no Porto de Abrigo da Nazaré, para reflectir o passado recente daquela infra-estrutura inaugurada em 1983, e o modo como a actividade da pesca e a Nazaré mudaram desde então.
"O objectivo é que cada pessoa faça um registo pessoal desta visita, que será orientada pelo fotógrafo, artista plástico e pescador, João Delgado. Este estará disponível para dar uma ajuda, conselhos técnicos ou de outra natureza", diz Célia Quico.
No final, haverá a possibilidade de criar uma exposição com as imagens obtidas. Esta oficina conta com as parcerias da Docapesca e do Mercedes-Benz Lounge, que será palco para a [LER_MAIS] exibição das fotografias. A segunda actividade deste ano vai ser a oficina de Confecção de Carapaus de Pano e conta com a parceria do Museu Joaquim Manso.
A acção será orientada pela artesã Fátima Barroso que, ao longo dos anos, tem reinventado algum do artesanato local, como os porta-chaves e marcadores de livros, bonecas, camisas, barretes, carapaus de pano ou algibeiras de pano da Nazaré. O carapau de pano merecerá todas as atenções, já que permite aliar vários elementos etnográficos da vila, como o padrão em xadrez escocês e o carapau enjoado ou seco ao sol.
A actividade destina-se, naturalmente, a dar visibilidade ao tecido que tem servido de base ao vestuário e ao trajo da Nazaré: ceroulas e camisas, para os homens, saias para as mulheres, com o omnipresente padrão escocês. Acontece a 17 de Fevereiro, nos antigos Paços da vila, na Pederneira, a zona mais antiga da localidade.
Este ano, ainda haverá uma oficina de fotografia, nos fins-de-semana de Maio, com Bernardo Lúcio, bisneto de Álvaro Laborinho e filho de Laborinho Lúcio. Paralelamente, entre 21 de Abril e 19 de Maio, o fotógrafo levará a mostra Domínio Público/Privado, ao cine-teatro da Nazaré, e em simultâneo, haverá ainda uma exposição de fotografia do bisavô, Álvaro Laborinho, na Galeria Paul Girol, bem como um colóquio sobre a temática abordada nos trabalhos visuais.
No segundo semestre do ano, haverá nova exposição de fotografia, oficina e colóquio, com debate associado. Mas o tema ainda está por definir.
Daqui, só para o cemitério
O interesse pelas características e tradições especificas da terra-natal, há muito que habitam no coração de Célia Quico. Há cerca de dois anos, a docente de Cinema e Vídeo de Multimédia na Universidade Lusófona esteve envolvida no documentário Cavalgar a Onda da Nazaré, ideia original de Gonçalo Calado e Manuel José Damásio, e essa “aventura” levou-a à elaboração de um vídeo pensado para tirar do anonimato o bairro dos pescadores da localidade.
"Para o documentário, comecei a recolher imagens de arquivo na Cinemateca e tropecei num filme de 1957, onde havia imagens do bairro. Foi quando tive a ideia de lançar o desafio de comemorar o aniversário do local, com o propósito de fazer um pequeno documentário para podermos divulgar aquelas imagens”, recorda.
Além do minuto filmado em 1957, o filme conta com testemunhos de pessoas que viveram desse bairro toda a vida e que querem ficar lá até morrer. Foi assim que surgiu o título: Daqui, só para o cemitério.
Os entrevistados falam da infância, dos tempos de fome e de miséria, das mortes no mar nas também de recordações boas, cheias de memórias familiares. É um retrato e um reflexo no espelho da vila da Nazaré e das suas gentes. "É uma tomada de consciência da maneira como a localidade evoluiu nos últimos 75 anos e qual o seu futuro."
PERFIL
João Delgado, nasceu na Nazaré em 1977 e é licenciado em Artes Plásticas e pós- -graduado em Economia Social, sendo especialista em Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo e doutorando na mesma área. Pescador e mestre de embarcações de pesca local e costeira de 2004 a 2016, participa desde 1998 em exposições, individuais e colectivas de pintura, escultura, instalação e fotografia, sendo autor do livro de fotografia O Outro Lado. Actualmente é vice-presidente da Mútua dos Pescadores com funções executivas.
Fátima Barroso é natural da Nazaré, onde nasceu, em 1948, filha de mãe nazarena e de pai "paleco" [não natural da Nazaré]. É licenciada em Biologia e foi docente do ensino secundário entre 1972 e 2012. É uma apreciadora de arte, e da pintura, em especial, área onde é autodidacta. É uma apaixonada pela vila natal, pelo seu trajo e tradições, tendo criado a marca É Nosso, onde os artigos produzidos e os materiais são de inspiração e aquisição local.