Enquanto directora-geral da Volkswagen em Portugal, tem pela frente “o desafio de reforçar a posição da marca no mercado português”. Em que é que esse reforço vai traduzir-se?
Quando se chega, quer-se sempre fazer mais. O desafio é mesmo crescer. A Volkswagen já foi uma referência muito grande em Portugal, em termos de quota de mercado. Não temos hoje os dois dígitos de quota de mercado que já tivemos, mas o objectivo actual é esse. O grande desafio é crescer, com a rede de concessionários. Temos uma rede de 30. Em Leiria estamos bem representados, desde o início dos anos 1950, com a Lubrigaz. Quase se confunde o nome da VW com o da Lubrigaz.
Que crescimento ambiciona?
O objectivo é o crescimento sustentado. Acabámos o ano passado com 4,8% de quota de mercado e obviamente queremos crescer para os dois dígitos, mas não vamos crescer de um dia para o outro, porque temos de assegurar a rentabilidade, a nossa e a da rede. O que estamos a trabalhar com a rede é o crescimento sustentado, assegurando ao máximo a qualidade que o cliente exige. A rede Volkswagen trabalha bem isso. A Lubrigaz é um bom exemplo de excelência no serviço ao cliente, e os restantes concessionários também. Queremos igualmente continuar a inovar.
A pandemia trouxe muitas mudanças na actividade?
Com a pandemia houve uma grande inovação, seja no atendimento por vídeo, seja na entrega do carro à porta. Houve todo um conjunto de desafios para os quais ninguém estava preparado. Tivemos de nos reinventar e começar a apresentar carros e a vender online. O nosso projecto é de crescimento sustentado, muito assente na rede de concessionários. Fala-se muito nas vendas online, mas uma marca não sobrevive sem uma rede de concessionários. Os clientes são cada vez mais exigentes, sabem consultar e procurar tudo, mas o concessionário tem a experiência.
Quais são as suas ambições para a VW, em termos de vendas e de quota de mercado?
O mercado está muito oscilante. No ano passado caiu 32%, nós caímos alinhados com o mercado. Este ano estima-se um crescimento do mercado e nós queremos crescer um ponto ou ponto e meio. Só crescendo um bocadinho acima do mercado conseguiremos ganhar mais quota. Mas crescer tendo a rentabilidade sempre assegurada.
Que mais-valias vê no facto de a SIVA, empresa que importa a VW para Portugal, integrar um grupo que distribui outras sete marcas, algumas delas de luxo?
A SIVA faz parte do grupo Porsche Holding Salzburg, que vende mais de um milhão de carros por ano, entre novos e usados. A SIVA é importadora, mas ao fazer parte desta holding fica num patamar de referência. Hoje em dia vivemos de sinergias. E dentro deste grupo existem todas essas sinergias. Acabámos de lançar em Portugal a Moon, marca de carregadores para os nossos carros eléctricos. Também ao nível da rede de concessionários essas sinergias vão começar a acontecer. Há também a questão da dimensão. Antigamente a estrutura da SIVA era outra. Estar num grupo destes, que é uma referência, que é o maior grupo de distribuição automóvel, e trabalhar todas as sinergias, só pode levar-nos a crescer.
[LER_MAIS] Muitas marcas numa empresa só e troca de sinergias são o futuro do sector automóvel?
Um bocadinho. O cliente identifica-se mais com um produto ou com outro e se uma empresa tiver dentro do seu portefólio várias marcas mais facilmente consegue mantê-lo. É uma vantagem. Os clientes hoje em dia sabem tudo. Quando vão ao site já compraram o carro. Quando comprei o meu primeiro carro, por acaso um VW, fui ao showroom, testei… Hoje ninguém vai ao showroom sem saber já o preço, o consumo, a motorização. Por isso, cada empresa tem de estar muito segmentada e ser especialista, enquanto vendedora.
Tem perto de 20 anos de experiência no sector automóvel. Quais as mudanças mais significativas e disruptivas a que assistiu ao longo destas duas décadas?
Uma delas tem a ver com a mudança de um sentimento de posse para um sentimento de utilização. Quando fiz 18 anos o meu objectivo era ter um carro. Hoje os miúdos de 18 anos não querem ter um carro, mas querem poder utilizar um carro. É preciso começar a desenvolver projectos que permitam estas soluções, porque não há o sentimento de posse nestas camadas mais jovens. Já há renting para particulares, programas de partilha de carros, que também estamos a desenvolver. O cliente evoluiu imenso. Antigamente o vendedor tinha uma carteira de clientes e jogava com isso, hoje tem de ser muito especialista. Sobretudo tendo em conta o que aí vem, em termos de eléctricos e de híbridos. Os clientes destes segmentos sabem tudo, são pessoas muito informadas. Vamos aos sites [das marcas] e estão lá todas as ofertas. Por isso temos de nos distinguir. Nós temos um vídeochat online, onde há sempre um vendedor que pode apresentar um carro. Já se pensava nestas coisas, mas não se estavam a desenvolver. Fruto da pandemia, isto está a evoluir.
Os eléctricos e os híbridos estão a ganhar quota de mercado. Mas ainda levará alguns anos para que sejam a maioria dos veículos a circular…
A mudança aconteceu muito rápido. Mas em Portugal temos o problema da infra-estrutura, por um lado, e um parque automóvel envelhecido, por outro. O que reclamamos junto das entidades competentes é apoio ao sector automóvel como um todo. Apoios para a compra de híbridos e eléctricos, porque sabemos que não são as viaturas mais acessíveis de adquirir. Para as empresas acaba por compensar, no cômputo dos custos totais, devido aos benefícios fiscais, mas não há uma acessibilidade directa. Mas reclamamos também apoios para todos os térmicos [combustão]. Se não voltarmos a ter algo como a lei do abate, os eléctricos ajudam [a renovar parque automóvel], mas não resolvem o que está para trás. Mas as infra-estruturas são um tema: não é só instalar carregadores, tem de haver capacidade. Estamos a electrificar toda a nossa rede, mas há locais em que o posto de transformação não é suficiente, é preciso contactar entidades e alterá-lo, e isso são investimentos avultados.
Que eléctricos está a VW a lançar?
Temos dois eléctricos, o iD.3 que lançámos no ano passado, e o iD.4 que estamos agora a lançar. E temos a marca Moon que está a instalar os carregadores eléctricos. O processo vai arrancar mais rapidamente nas cidades. A infra-estrutura e os apoios necessários terão de ser mais céleres. Os fabricantes automóveis adaptaram-se muito rapidamente, até porque têm de cumprir as regulamentações europeias. Todos temos consciência da pegada ecológica. Mas somos tão verdes quanto o dinheiro que tivermos no bolso, quanto o valor monetário que temos disponível para aquisição de um eléctrico. Estes não são tão acessíveis quanto os térmicos, porque os construtores tiveram um custo de investimento muito grande no seu desenvolvimento, que teve de ser muito rápido.
O parque automóvel português é um dos mais velhos da Europa…
Sim. Um parque automóvel com 13 anos está muito envelhecido. Os apoios ao abate, há uns anos, surgiram para um parque mais ou menos como o actual.
Os 13 anos são a idade média, mas há milhares de carros com perto de 20 anos a circular…
O que coloca questões de segurança e de emissões de CO2. Esses carros são alvo de inspecções e vamos acreditar que tudo funciona da melhor forma. Todos os veículos evoluíram imenso, mas os sistemas de segurança de há 15 aos não são os de hoje. A grande diferença, contudo, tem a ver com os sistemas de emissões de CO2 dos carros dessa altura e dos de agora. Não podemos tratar só uma parte da questão. Tudo bem, todas as marcas têm de ter híbridos e eléctricos, mas é preciso tratar o que está a montante, ou seja, um parque de carros envelhecidos, que emitem muito acima de 95 gramas de CO2. Tem de haver incentivos à troca de carros térmicos muito poluentes.
A fiscalidade automóvel é outro problema…
Há 20 anos que temos uma dupla tributação. É uma realidade. Se compararmos os salários médios e os preços dos veículos em Portugal e Espanha, por exemplo, a proporção não é a mesma. Uma vez que existem objectivos claros de redução da poluição, para as empresas os híbridos e os eléctricos estão isentos ou apresentam benefícios em sede de tributação. Mas para os particulares faltam esses apoios. Em Portugal, a fiscalidade sobre os automóveis é muito elevada. A carga fiscal é muito alta, o que faz com que os carros tenham um preço muito acima. Mas os preços antes de impostos são baixos.
Caminhamos para um futuro onde os veículos autónomos serão uma realidade. Podemos esperar menos carros nas estradas, menos vendas para os fabricantes?
A VW vai iniciar a sua ofensiva de autónomos pela Volkswagen Comerciais, a partir de 2023. A chegada dos autónomos vai ser mais rápida do que imaginamos. Há uns anos também se falava nos carros eléctricos e se pensava que iam demorar muito. Os autónomos vão ser uma realidade, quando não sei. Vão-nos permitir ganhar tempo. Hoje o maior desafio da sociedade é o tempo, não temos tempo para nada. A partilha de carros, a condução autónoma, que hoje nos parece algo muito além, vai-nos dar tempo. Vai ser a resposta a esta sociedade mais ou menos frenética em que vivemos. Quando paramos para olhar, a ideia que fica é que não está nada desenvolvido, mas já muito está a ser feito e acho que vai ser rápido e que nos vamos adaptar muito bem.
A indústria automóvel é muito importante para outras indústrias, pelo constante desenvolvimento que a caracteriza, mas nos últimos anos a indefinição causou impactos nomeadamente nos moldes e plásticos da região, que trabalham muito para o automóvel…
Acredito que todas as marcas já têm os seus planos e que a situação está estável. No grupo Volkswagen já está definido o que vai ser o futuro. Também estas indústrias tiveram de se reinventar. As plataformas são novas e teve de haver um processo de reorganização.
Das Ciências Matemáticas ao automóvel
Marília Machado dos Santos é desde Fevereiro directora-geral da Volkswagen, marca representada em Portugal pela SIVA, empresa comprada pela austríaca Porsche Holding Salzburg (PHS) em 2019, e que distribui no nosso País as insígnias Volkswagen, Audi, Seat, Škoda, Bentley, Lamborghini, Volkswagen Veículos Comerciais e Cupra. Licenciada em Ciências Matemáticas – área que, admite, lhe deu uma “boa base para pensar e bagagem para fazer outras coisas” – e com um mestrado em Estatística e Gestão da Informação, estreou-se no sector automóvel em 2002 na Citroën, na área de Marketing de Produto. Em 2008 trocou a PSA pela Fiat Chrysler Automobiles (FCA), ocupando o cargo de senior product manager. Ainda na FCA, em 2011 tornou-se brand manager das marcas Alfa Romeo e Lancia. Em 2015, Marília Machado dos Santos regressou à PSA, assumindo a direcção de marketing da Citroën e DS. Após uma experiência de 20 meses como directora comercial da Citroën, assumiu, em Outubro de 2019, o cargo de brand manager da marca francesa. É natural de Pataias, no concelho de Alcobaça, onde regressa ocasionalmente para um jantar anual. A família paterna é de Leiria.