O Serviço de Urgência Ginecológica/ Obstétrica da Unidade Local de Saúde da Região de Leiria (ULSRL) vai estar encerrado até ao dia 19 de Agosto. São 17 dias sem receber mulheres e grávidas. Os partos programados estão a ser realizados no Porto e as urgências em Coimbra.
O conselho de administração justifica o encerramento com a falta de recursos humanos. Este é mais um sintoma da degradação do Serviço Nacional de Saúde, que a nova organização não veio resolver.
Após seis meses em funcionamento, médicos, enfermeiros e utentes dão nota negativa à ULSRL, considerando que nada mudou e a tão desejada articulação e autonomia não se verifica.
Pior. Para os profissionais de saúde, a situação das urgências já não é comparável a um cenário de “guerra”, mas de “catástrofe”. Opinião contrária tem o presidente do conselho de administração, Licínio de Carvalho, que faz um “balanço positivo, que espelha o trabalho da equipa do conselho de administração e de todos os colaboradores da ULSRL, que estão a fazer um trabalho difícil e exigente”, sobretudo, “num contexto que não tem sido muito fácil”.
Um contexto onde se enquadra o encerramento do serviço de urgência Ginecológica/Obstétrica, “que já estava programado de forma a dar uma resposta consistente às utentes e grávidas da ULSRL até ao final do presente ano e foi articulado com a ULS de Coimbra.”
Sandra Hilário, representante do Sindicato Médico da Zona Centro (SMZC), constata que “a nível hospitalar” não houve qualquer mudança. “Dá a sensação que há muita coisa em papel que não teve tradução palpável. Todos os problemas que existiam continuam a existir. A expectativa de entrosamento entre os cuidados de saúde primários e hospitalares não se verifica. São seis meses de pura apatia”, critica.
Seis meses de apatia
Admitindo que o problema das urgências não é exclusivo de Leiria, a médica lamenta a falta de soluções. “Na ULSRL não existem médicos suficientes em várias especialidades. Os serviços de Obstetrícia/Ginecologia e Pediatria têm encerrado as portas da urgência vários dias ao longo destes últimos meses.
Os serviços de Cirurgia Geral e de Medicina Interna também perderam, nos últimos anos, vários médicos do seu corpo clínico, condicionando as suas equipas de urgência.”
Para Sandra Hilário, a ULSRL “não sabe encontrar ferramentas para cativar os médicos para virem para Leiria”. “As nossas urgências já não são de guerra, são de catástrofe. Quem vai às urgências pensa que terá resposta, mas é uma falsa resposta, pois não tem médicos para o ver. Estão a sair colegas obstetras, pediatrias, cirurgiões, de medicina interna… Cada vez a ULSRL está mais despejada de profissionais.”
As equipas “muito sub-dimensionadas” para responder a cerca de 400 mil habitantes obriga os profissionais “a trabalhar em condições de grande stress”, o que aumenta o risco de erro. Por vezes, as equipas de urgência funcionam apenas com internos e um ou dois especialistas, que têm de assegurar também a Via Verde AVC e dar resposta à urgência interna do hospital.
Sandra Hilário defende a criação de chefes de banco nas urgências, que tenham equipas completas para dar resposta a todo o tipo de patologias. A profissional revela ainda que há internistas de Leiria que optam por fazer urgências nos hospitais dos arredores da região, onde são muito mais bem pagos e vêem muito menos doentes.
Licínio de Carvalho garante que contrata os médicos que estão disponíveis no mercado. Até ao dia 30 de Junho, a ULSRL contratou 28 médicos em prestação de serviços para as urgências hospitalares e 11 para os cuidados de saúde primários, os quais dão resposta aos doentes sem médico de família e para trabalharem nos centros de atendimento complementar, que existem nos concelhos de Leiria, Marinha Grande, Nazaré, Ourém e Porto Mós.
Para os centros de saúde foram ainda contratados seis clínicos aposentados. “Infelizmente, não são suficientes para não termos buracos nas nossas escalas das urgências e nos centros de saúde ou centros de atendimento complementar.”
O responsável garante ainda que tem procurado facilitar a mobilidade para garantir médicos e tem desafiado os directores clínicos a criarem projectos atractivos para fixar médicos. A construção de uma creche, com o apoio da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria, e a articulação com as autarquias para proporcionar qualidade de vida aos profissionais são apostas da ULSRL.
Rafael Henriques, médico de Medicina Geral e Familiar, representante do SMZC, e Ivo Gomes, do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, também consideram que a ULSRL nada trouxe de novo e apontam falhas na aquisição de material médico e de enfermagem. “Falta material para os cuidados de feridas crónicas, o que limita a qualidade do tratamento e pode agudizar o problema para o doente. Vai aumentar os custos e piorar o próprio doente. Não há pílulas disponíveis, o que obriga os médicos a prescrever, aumentando os procedimentos administrativos”, denuncia o médico.
As visitas ao domicílio tornam-se difíceis, assume Ivo Gomes, precisando que faltam instrumentos como pinças, material cirúrgico, tesouras para fazer pensos. “Não há reposição de material. Temos colegas que são obrigados a trabalhar à maneira antiga.” Licínio de Carvalho garante que todo o material necessário é adquirido pela ULSRL. No entanto, explica, há, por vezes, falhas no mercado que impede a reposição atempada.
“Temos centenas de fornecedores e temos de fazer procedimentos concursais. Agora, o que acontece, mais vezes do que gostaríamos, é que o próprio mercado também tem dificuldades de abastecimento e quando isso acontece, obviamente que o serviço de compras tem que procurar fornecedores alternativos, que muitas vezes também não têm os produtos que falham”, explica, ao referir que também são solicitados material ou medicamentos emprestados a outras unidades.
Falta de agilidade
A substituição de médicos nos cuidados de saúde primários é também apontada por Rafael Henriques como um problema que o conselho de administração deixa arrastar. “Tentamos agilizar as mobilidades dos profissionais para as unidades que estão carentes, mas os pedidos têm semanas e a mobilidade não acontece. Temos equipas em esforço. O objectivo da ULS era agilizar, mas nem isso tem sido feito. As directoras clínicas nada decidem, porque tudo tem de ir ao conselho de administração, que não coloca os assuntos na ordem de trabalhos. Não é discutido, logo, não há soluções”, adianta o médico, lamentando que a saída de Denise Velho da USF Santiago para a administração da ULSRL continue sem substituição, apesar de há muito estar identificada uma médica para o seu lugar.
Licínio de Carvalho explica que o processo tem vindo a desenrolar-se e que a substituição vai acontecer em Setembro. A médica está em Porto de Mós e houve preocupação de não deixar aquela população desprotegida.
“Constituímos e alargámos o número de USF [unidades de saúde familiar] modelo B. Este ano já constituímos mais oito e está uma a caminho. Também é um atractivo adicional para que os profissionais procurem essas unidades, onde têm autonomia organizacional. No concurso que está a decorrer, 17 vagas estão classificadas como carenciadas, que abrange nomeadamente a medicina geral e familiar, mas também especialidades hospitalares”, afirmou.
Licínio de Carvalho admite que há aspectos que têm de melhorar e a aprovação do plano de desenvolvimento organizacional (idêntico ao plano de actividades) por parte da tutela, permitirá “dar um impulso maior ao plano de investimentos”. Desta forma a ULSRL poderá “corrigir e complementar o plano de admissões de pessoal”.
“A nossa convicção é que este segundo semestre do ano nos permitirá um grande desafogo em termos de margem de manobra de gestão”, apontou o responsável. Considerando que “seis meses, não é muito tempo”, Licínio de Carvalho confessou que existem problemas de fundo, para os quais procuram concentrar esforços para os melhorar, “como seja o aumento do número assistentes para os utentes que não têm médico de família”.
Os profissionais de saúde denunciam ainda a dificuldade que a ULSRL tem em aplicar a lei atempadamente. O pagamento da dedicação plena, que deveria ter avançado em Janeiro, só em Junho começou a ser efectuado e a reivindicação de uma passagem de turno de meia-hora de 30 minutos, como sucede noutros hospitais continua a não verificar-se em Leiria.
“Em Leiria, são sempre os últimos a aplicar a lei. Nesta ULS é muito difícil e morosa a aplicação da legislação, porque é sempre muito complicada a sua interpretação. São necessários vários requerimentos (muitos sem resposta) e, mesmo assim, nada se resolve em tempo útil”, refere Sandra Hilário, e Ivo Gomes tende a concordar.
Uma gestão muito vertical e hierarquizada é apontada pela Comissão de Utentes de Porto de Mós, que sente dificuldade em resolver os problemas que afectam a comunidade, por falta de agilidade nos procedimentos. “Queremos que as coisas corram bem. Não estamos contra ninguém, mas não é a pôr obstáculos que se resolvem os problemas”, adianta João Gabriel, ao lamentar que só se vejam medidas avulsas para captar médicos.
“O conselho de administração está muito focado no hospital. E para aliviar o hospital é preciso cuidar bem dos cuidados de saúde primários”, constata. Rafael Henriques acrescenta que os cuidados de saúde primários continuam a aguardar resposta à proposta de abertura ao fim-de-semana e para realizar pequenas cirurgias, como forma de aliviar a pressão nas urgências. O regulamento interno ainda não foi aprovado, o que, para os profissionais de saúde os deixa um pouco à deriva por desconhecerem a orgânica com os cuidados. Licínio de Carvalho afirma que o documento será aprovado no início de Setembro.
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