Como todos os pais sabem, cuidar e estar com os miúdos é um gosto e um privilégio indescritível. É viver num amor incondicional muito melhor que o dos filmes.
Quem não tem filhos pode imaginar mas só quem os tem é que dá o devido valor a uma boa mudança de fralda com aquele presente que vai dos artelhos ao pescoço, ou à preparação de um biberon que por descuido fica muito quente e os consequentes movimentos à mestre de físicoquímica, mais água fria, três gotas no pulso termómetro, arrefecer o recipiente debaixo da torneira, é realmente uma dança mágica. Então quando acontece a meio da noite, na fase zombie da remela a colar as pálpebras é uma experiência avassaladora!
Como bom marido que sou, faço tudo o que está ao meu alcance para que seja a mãezinha das crianças a viver essa verdadeira dádiva que é acordar de madrugada para sentir o amor dos nossos queridos filhos. Não suspirem já, não me coloquem já no pedestal da paternidade moderna, eu sei que ela faz exactamente o mesmo por mim.
Por exemplo ontem, estava eu num sonho de acção, onde era o herói, que salva civilizações e parte corações com a destreza do Éder a receber uma bola e começo a ouvir um tatata papapapa buaa buaaaa vindo da divisão do lado. Desço vertiginosamente do descanso etéreo. A primeira reacção é o sobressalto. Depois vem a avaliação meticulosa da situação. Não, a miúda aguenta-se, resolve e volta a adormecer sem ser preciso nada. Buaaaa!!! Pelos vistos não.
Começa então o desafio. Quem é que vai lá? Essa decisão assenta num sistema complexo, numa salada de algoritmos subjectivos, onde vários factores se enrolam numa equação nem sempre justa para todos. Quem é que resolveu a última birra, quem é que se deitou mais tarde, quem se levantará mais cedo, quem é que deu os banhos, quem é que perdeu a última discussão, quem teve o dia mais difícil, quem é foi lá da última vez?!! Esqueçam. Nada disso interessa. O vencedor, que ficará deitadinho a lidar tranquilamente com os remorsos prazerosos de ver o cônjuge a cambalear de pijama pela casa será ditado pela capacidade de cada um de se fingir adormecido até ao limite.
A miúda está acordada, não há volta a dar, um de nós vai ter de se levantar. Ambos sabemos, ambos já ouvimos mas ninguém se denuncia e ninguém se mexe. O choro do quarto do lado começa a pressionar e os erros precipitam-se. A minha simulação de ressonanço começa a quebrar, faço um movimento de pés para alertar a mãe que não vou desistir sem lutar, ela dá-me uma panada de cu e a disputa está ao rubro. Solto um grunhido de gremlin que comeu depois da meia-noite e ela apanha-me com as defesas em baixo e ataca sem piedade: Podias ir lá tu! Porra, poder posso, mas não me apetece nadinha.
Finjo acordar naquele preciso momento: Hum! Onde, onde?! A esta altura já percebi que vou lá eu mas não perco a oportunidade de me apresentar destemido e à altura de qualquer desafio, como um pai de P grande a voar alto como a toupeira