Esta foi a primeira época no comando técnico da União Desportiva de Leiria (UDL), tendo alcançado a subida de divisão e o título de campeão. No início da época, alguma vez pensou que seria assim?
Em termos do que era a expectativa de atingirmos o sucesso, nunca tive dúvidas que seríamos capazes. Costumo dizer que a primeira pessoa que tem de acreditar no seu trabalho é ela própria. Na minha pessoa, falo sempre em nome da equipa técnica, e acreditámos muito. Também foi uma das razões que nos levou a aceitar este projecto. Foi analisarmos todo o contexto, conhecermos as pessoas e os seus objectivos e, a partir do momento em que sentimos que tínhamos condições para atingirmos o sucesso, acreditámos que seria possível este desfecho. De que forma seria, a verdade é que nunca pensei. Nunca pensei jogar uma partida decisiva perante 22 mil pessoas. Ou jogar fora de Leiria com um apoio extraordinário como tivemos na maior parte dos casos, onde existiam mais adeptos da UDL do que da equipa que jogava em casa. A paixão com que as pessoas viveram estes momentos decisivos e esta fase final é indescritível. E só passando por isso é que se entende. Nesse aspecto foi uma surpresa fantástica, extremamente positiva, em que o mérito foi de todos.
Também foi a primeira época como treinador de uma equipa sénior. Foi uma estreia de sonho?
Sim. É normal quem vê de fora identificar uma separação entre o que é a formação e o futebol sénior. Mas a verdade é que, no que à parte do treino e do dia-a-dia de uma equipa diz respeito, não sinto que existam grandes diferenças. Porque o jogo é o mesmo, e a partir do momento em que estamos a discutir objectivos de rendimento, ou seja, de atingir classificações e promoções, não existe uma diferença muito significativa. Até fazendo o percurso como eu fiz, em que vim de um contexto onde não existiam muitas condições para trabalhar, e nem sequer podíamos treinar as nossas equipas no campo inteiro e tínhamos de dividir o campo com outras equipas. Isso acaba por dar uma bagagem muito grande àquilo que é o nosso crescimento. Tenho 34 anos, mas sou treinador desde os 17, portanto já tenho uma bagagem muito grande de experiências, de dificuldades e problemas, que foram muito importantes para o meu crescimento pessoal e das pessoas que trabalham comigo. Óbvio que foi uma época de afirmação, num clube exigente, com muita história, e num contexto que era complicado. Porque desde o início que sentimos que havia uma desconfiança muito grande em relação àquilo que era a UDL. As pessoas já estavam muito mais na expectativa de “perder como sempre”, do que “ganhar finalmente”. E isso foi sempre o grande desafio. Blindar ao máximo o grupo de trabalho, focando naquilo que era o nosso dia-a-dia, para sermos cada vez melhores. Treinámos bem, jogámos bem, crescemos de jogo para jogo, evoluímos individual e colectivamente. E depois, com o bom trabalho dentro do grupo, conseguir capitalizar essa confiança para fora. Penso que foi também um objectivo atingido da nossa parte.
Capitalizar essa confiança para fora foi igualmente um segredo para o sucesso?
Sim, porque a equipa puxa pelo adepto e o adepto puxa pela equipa. É um trabalho de duas vias. O segredo foi a equipa subir de divisão, mas quando falamos da equipa, falamos de um staff muito grande, que apoia a própria equipa, para que não falte nada. Desde pessoas que cuidam da relva, material desportivo, refeições, ginásio. A parte estrutural do clube, em termos administrativos, áreas de comunicação e logística, que permitiu aproximar o dia-a-dia e o trabalho do clube às pessoas. Houve também a parte das pessoas, que efectivamente sentiram confiança e interesse e começaram a andar lado a lado connosco. Penso que isso é o mais extraordinário desta época. É um orgulho a UDL voltar finalmente aos campeonatos profissionais, mas como um todo. Uma cidade e uma região conseguiram este feito, e é extraordinário.
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A UDL teve o melhor ataque na fase regular e na fase de subida. Ter uma equipa atacante e ofensiva fez a diferença?
Considero que sim. Mas a verdade é que não há uma fórmula chave para o sucesso. Há várias formas de ganhar. Historicamente vemos que existem equipas que se preocupam em defender muito e jogar apenas em transições e conseguem o sucesso. Há equipas que jogam muito com bola e conseguem também o sucesso. Nós temos a nossa forma de trabalhar. Preocupámo-nos em passá-la aos atletas o melhor possível e essa forma de trabalhar, sim, assenta muito num jogo ofensivo, num controlo de jogo, tentarmos sempre jogar o mais perto possível da baliza adversária, o que acabou por se traduzir em sermos o melhor ataque, tanto de uma fase como de outra. Mas o jogo de futebol é um conjunto de diferentes momentos. O ataque, a defesa, os momentos de transição em que ganhamos e perdemos a bola. A bola parada também é um momento muito importante em jogos competitivos e onde o detalhe faz tanta diferença. Penso que fomos verdadeiramente competentes no conjunto de todos os momentos do jogo, para depois termos também sucesso do ponto de vista ofensivo.
Os unionistas podem contar consigo no comando técnico da equipa na próxima época?
Sim. Acima de tudo, considero-me uma pessoa que gosta de trabalhar junto das pessoas e sentir confiança em quem trabalha no nosso dia-a-dia. E acho que existe uma simbiose perfeita entre a área técnica e a administração, com uma comunhão de objectivos muito grande. É um projecto em crescimento, no qual me revejo a 100% e onde acredito que a minha forma de pensar o jogo, o grupo de trabalho e os objectivos, e a minha forma de estar no futebol, se complementam verdadeiramente com aquilo que quem manda neste projecto também se identifica. Portanto, quando as coisas funcionam dessa forma, tudo se torna mais fácil.
Na 2.ª Liga prevê-se um maior grau de exigência. O que podemos esperar do mercado de transferências?
Já estamos focados nesse momento do mercado e a escolha do plantel é importante. Para todos os efeitos, estamos a escolher a matéria-prima que nos vai permitir abraçar esta nova época. Não começámos a fazer este planeamento agora. Tivemos que nos preparar para os vários cenários, tanto o de conseguirmos atingir os objectivos, como o cenário de não conseguirmos. Porque a UDL é grande demais para parar. Atingimos os nossos objectivos tivos e estamos muito satisfeitos. Agora temos de perceber o que vamos decidir em relação aos jogadores que compõem o plantel desta época, com quais vamos contar ou não, e depois tentarmos ser cirúrgicos no mercado, para que quem venha acrescente valor àquilo que nós temos.
É complicado definir objectivos muito específicos nesta fase. Dado que tem de existir, obrigatoriamente, uma adaptação ao contexto para onde vamos. Existem diferenças muito significativas em termos da competição em si. Estamos a falar de equipas profissionais, algumas nunca estiveram em patamares semi-profissionais ou amadores, e são rivais com muito valor. Treinadores com provas dadas, equipas com atletas internacionais. Todo um nível de complexidade muito maior, que vai pressupor um período de adaptação da nossa parte. Mas nós criámos uma identidade muito própria, uma mentalidade competitiva muito forte, uma dinâmica ganhadora, que queremos transportar ao máximo para a próxima época. Pegando naquilo que é a nossa forma de trabalhar, queremos sentir que temos condições para competir e ganhar a qualquer uma das equipas do nosso campeonato. E depois, num momento de análise, perceber se isso nos vai permitir estar lá em cima ou não. Se eu gostava de subir de divisão novamente? Sem dúvida que sim. Mas é uma mudança muito grande para estarmos a definir esse tipo de objectivos quando, neste momento, o nosso objectivo é prepararmos o melhor possível aquilo que aí vem, quer ao nível de plantel e de equipa técnica, mas também ao nível da estrutura. Temos também de criar o profissionalismo dentro das pessoas que trabalham neste clube. Para funcionarmos como um todo, à semelhança desta época. Porque a exigência, sem dúvida, que é maior.
Tem residido em Leiria durante este último ano. Como está a ser viver nesta cidade?
Só tenho coisas positivas a dizer. Uma cidade jovem e alegre. Onde quer que vá, hoje em dia, sinto que a maioria das pessoas já interage comigo como sendo o treinador da UDL. Todos me tratam bem. Foi a primeira vez que saí do Estoril, da minha zona, mas até agora não há nada de negativo a apontar, estou muito contente por estar aqui. Para todos os efeitos, não estou assim tão longe de casa. Menos de uma hora e meia de caminho, pelo que conseguimos manter a proximidade com a família e os amigos. Mas, de facto, é uma cidade onde não falta nada, e que tem uma vida muito própria.
Por fim, como caracteriza os unionistas?
Só tenho elogios a fazer. Perguntaram-me qual era a palavra-chave desta época e, para mim, é “obrigado”. Um obrigado aos unionistas. Porque, no meio de um clima de tanta desconfiança, sentir que foram acreditando cada vez mais, e transformando essa crença em verdadeiro apoio tanto nos bons como nos maus momentos, é algo fantástico. Portanto, aproveito já para lançar um repto e desafio para continuarmos nesta onda, independentemente daquilo que aconteça na próxima época. Queremos muito ganhar jogos e atingir os patamares mais altos do futebol português, mas aquilo que estamos aqui verdadeiramente a concretizar é fazer crescer a identidade de um clube, de uma cidade e de uma região, e isso consegue-se com estas pessoas que têm estado ao nosso lado. O meu apelo é para estarem sempre e cada vez mais presentes, como se viu agora no final desta época.