Digo-vos: não há nada pior do que olhar para trás e lamentar o passado. Ao olhar para trás, diz-nos a Bíblia, corremos o risco de ficarmos transformados em estátuas de sal. E isso, metaforicamente, tem muito que se lhe diga. Mas os 65 dão que pensar. No que não se fez e gostaríamos de ter feito, no que há a fazer, dos sonhos não cumpridos, de outros interrompidos. Pior que tudo: do que deveríamos ter feito e não fizemos.
É a desgraça dos 65, mesmo quando nos sentimos ainda enérgicos e com saúde! Quer se queira, quer se não queira, sentimos por vezes esse calafrio ao darmos conta que, mesmo correndo tudo bem, até aos 80 só nos faltam uns míseros 15 anos… Que chatice de pensamento! Afastemo-lo sem demora!
Toca de parecer que ainda nos sentimos novos. Andar e correr como um jovem, não ligar às mazelas e às dores, em cima da bicicleta, esfalfado a 17 km à hora, a suar pelas estopinhas, e ver os jovens a passar por nós a 35 km/h, que nem loucos… Futebol, talvez, mas, calma!, só para alguns: meia dúzia de corridas no pavilhão, a fingir que as artroses, rutura de ligamentos e tendinites ainda não querem nada connosco.
(E o correr, que seja em terreno direito. Aos solavancos, no final da corrida, as vértebras amachucadas, tiram-nos 2 centímetros à altura).
Ah, sim! E temos finalmente a aposentação. Que para alguns chegou a ser aos 54, 56, 58 e 60 e que, para a maioria de nós, o estado social fez passar para os 66 anos e 7 meses, por enquanto. Tudo sem qualquer sobressalto, nem reação da nossa parte. O estado social no seu melhor, com os cidadãos mais submissos que há memória. Que melhor argumento para justificar tudo isto que a velha máxima “trabalhar dá saúde”?
E com toda a certeza, agora sim, aposentados iremos tratar da quinta ou do quintal, teremos toda a disponibilidade e energia para cortar as ervas, podar as árvores de fruto, arranjar o jardim… E viajar, também, em qualquer época do ano, ver espetáculos e exposições, ficar com os netos sempre que for necessário, ajudar mais os filhos, sempre que possível. Namorar, porque não, com a mulher que se ama, agora que as preocupações podem ser menos e há mais tempo para o afeto e para andar de mão dada?
Maravilha! Após os 65 temos que pensar, não nos 15 que nos faltam para os 80, mas nas energias que ainda temos e nos anseios que nos interpelam. Alguns dos homens de antigamente da minha terra diziam aos 70 estar tão bons como aos 20. A verdade é que eu acredito na sabedoria antiga dos homens da minha terra e não os tenho por mentirosos.
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo ortográfico de 1990