No final de um dia a acompanhar fogos florestais, Nuno André Ferreira preparava-se para regressar a casa quando se cruzou com um amigo, de quem apanhou boleia, o que o fez continuar no terreno em trabalho. Pelas 22 horas, numa aldeia ameaçada pelas chamas, captou o instante que lhe define a carreira. “De repente, não sei porquê, olhei para dentro do carro”. O repórter de Leiria, a viver em Viseu, está entre os nomeados de 2021 do World Press Photo, um dos prémios de fotografia de jornalismo mais importantes do mundo, anunciou hoje a organização.
Em 15 de Abril, vai saber se é primeiro, segundo ou terceiro prémio. Nuno André Ferreira, de 41 anos, surge na categoria Spot News Singles com a imagem de um bebé a olhar para a objectiva através do vidro traseiro do automóvel dos pais. Já noite, no concelho de Oliveira de Frades, durante uma ocorrência em que um bombeiro morreu e que obrigou a mobilizar 327 operacionais, 103 viaturas e oito meios áereos.
Desde a primeira edição, em 1955, só cinco fotógrafos portugueses constavam na lista de premiados do World Press Photo: Eduardo Gageiro em 1975, João Silva em 2006, Miguel Barreira em 2008, Daniel Rodrigues em 2013 e Mário Cruz em 2016 e 2019.
A fotografia de Nuno André Ferreira que entra na selecção de 2021 – e que se encontra no início deste artigo – destacou-se entre 1.404 submissões na categoria Spot News Singles por autores de vários continentes e foi obtida a 7 de Setembro de 2020, em serviço para a agência Lusa.
Uma exposição com 10 imagens de Nuno André Ferreira, incluindo esta, está patente a partir de amanhã na montra do Café Central, junto à Igreja da Misericórdia, no centro histórico de Leiria.
Ao JORNAL DE LEIRIA, Nuno André Ferreira diz que a escolha do júri do World Press Photo “é uma fotografia simples”, mas reconhece que ao longo de 15 anos, e após dezenas e dezenas de reportagens em incêndios, “nunca tinha tido um momento assim”. Às vezes, “aquilo que é melhor pode ser o que a maior parte das pessoas não vê”, conclui.
O que estabelece “a diferença” é o “elemento humano” – o bebé alheado do perigo que o rodeia. “É um contraste entre a tranquilidade de uma criança e o pavor que as pessoas da aldeia estão a viver”, explica Nuno André Ferreira. “Estava no computador e disse eh pá acho que tenho aqui uma foto do caraças!”
Com outro instante, do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a apaziguar um idoso em lágrimas, no rescaldo dos incêndios de 15 de Outubro de 2017, Nuno André Ferreira recebeu em 2018 o Prémio Rei de Espanha de Jornalismo.
Licenciado em Ciências da Informação pelo Instituto Superior Miguel Torga de Coimbra, tem também um Prémio Estação Imagem 2010 na categoria Ambiente e um Prémio AMAN – Aliança das Agências de Notícias do Mediterrâneo 2014.
É colaborador do Grupo Cofina (Record, Correio da Manhã, Sábado, Jornal de Negócios) desde 2006 e da agência Lusa desde 2009.
Em 2020, em parceria com o fotojornalista Adriano Miranda, do Público, assinou o livro A Voz do Dão – O Diálogo da Uva e do Vinho. E, antes, ViseuFolk (em 2019, com outros cinco autores) e Dever de Memória – Da Infâmia à Esperança (em 2018, também com Adriano Miranda, sobre os incêndios do ano anterior).
No caminho, alguns sustos. Como em 15 de Outubro de 2017. “Não tive bem a noção da envolvência e já tinha tudo a arder à minha volta. Andei dois ou três quilómetros numa estrada com duas faixas [em que] iam carros a fugir, dois em cada faixa, não sei como é que ninguém bateu. Não se via nada. Quando dei conta já estava dentro da cidade [Tondela] e nem me tinha apercebido porque o fumo não deixava”. As mortes de bombeiros e civis nos últimos anos tornaram-no mais cuidadoso, garante. “Começas a pensar que também lá podes ficar. Não é uma mangueira com água que te vai salvar”.
Contam-se 19 anos desde que Nuno André Ferreira publicou uma fotografia na imprensa pela primeira vez: no Notícias de Leiria, uma imagem da maré negra provocada pelo petroleiro Prestige, ao largo da Galiza.