Para além de o saber Professor de longa data no King’s College em Londres e um admirável ensaísta, pouco mais sabia que o seu nome: Hélder Macedo (1935). Com a “febre” que me/nos atacou pelos 500 anos do nascimento de Camões, corri a comprar o seu Camões e Outros Contemporâneos (Presença, 2024) e antes comprara os seus Pretextos (Caminho, 2024), magnífica coletânea de crónicas literárias. Da sua poesia nada sei (perdoe-se-me a ignorância) e desconhecia-o em absoluto como ficcionista. Até que o sempre atual Jornal de Letras lhe dedicou o número de finais de outubro a propósito da homenagem que o King’s College lhe prestaria brevemente.
Os excelentes artigos que ali deslindaram parte do seu trajeto profissional e artístico falavam dos seus romances e foi o primeiro, Partes de África (Presença, 1991) que mais me chamou a atenção por ter a ver com o nosso passado colonial – história ainda muito por escrever: “o início de uma discussão sobre o passado colonial e salazarista, que ocupava todo o espaço respirável (…) sobre um passado “enterrado vivo” que sobrevive fantasmaticamente no presente colonial português.” – escreve Margarida Calafate Ribeiro.
É um pequeno grande livro – pequeno pelas suas 172 páginas em 18 capítulos breves, mas grande porque abarca, de forma pessoal, familiar e literária, um enorme pedaço da nossa História, desde os anos 40 até depois da descolonização – a ser lido como água que corre, mas com um espanto contido. A linguagem, aparentemente simples e corrida, é enformada por um conhecimento, uma firmeza linguística e literária que nos deixa maravilhados: que linda é a nossa Língua quando assim bem tratada!
No primeiro capítulo, o autor/narrador/personagem diz ao que vem: escrever a partir de “visitas à galeria das sombras no que foi a casa dos meus pais (…) como crónica minimalista de família, a história de uma boa parte do colonialismo português do último império.” e que envolve três gerações da sua família: o avô materno “republicano, maçon de barba ruiva e olho camoniano perdido da Grande Guerra, governador do Distrito de Moçambique, grandiosamente instalado no palácio da Ilha” que desafiou o Estado Novo e por isso despromovido e transferido para os confins do Distrito do Congo; o pai, “circunspecto cumpridor de leis” administrador dos territórios na Zambézia e de outras colónias (absolutamente deslumbrante, mas feroz, o capítulo sobre São Tomé! p. 66); e o autor/narrador/personagem, testemunha todas essas vivências e as que experimentou em Lisboa, no Café Gelo, no Texas Bar, no exílio forçado para Inglaterra. Não se trata, porém, de uma autobiografia – é o próprio autor que o diz: escreveu “mais a partir de si que de si”; “talvez o primeiro romance português escrito de uma perspetiva pós-colonialista” em que “mistura factos e ficções”. Daí a algo surrealista narrativa encaixada, fragmento de um romance de uma das personagens que transpõe para Lisboa a existência salazarista.
Livro fascinante que, parecendo fracionado, apresenta uma visão holística daquele pedaço da história do fim do império. Um pedaço de boa literatura!