Se no passado recorrer ao apoio de um nutricionista estava reservado a uma elite, que pagava fortunas por uma consulta numa grande cidade, e os tratamentos eram feitos à base de produtos farmacológicos, hoje, a preocupação da maioria destes especialistas consiste em reeducar as pessoas a comer, sem recurso a medicamentos, e a incentivar a prática de exercício físico.
“Antigamente, quem ia ao nutricionista era estigmatizado, tal como quem ia ao psiquiatra, pois estava associado a não ter autocontrole. Hoje, passou a estar na moda”, afirma Paulo Mendes, 43 anos, nutricionista de Pombal. “Qualquer adolescente diz: ‘de acordo com a minha nutricionista’ ou ‘a minha nutricionista diz que…’”, exemplifica.
Uma alteração drástica no comportamento que associa à divulgação dos benefícios de uma alimentação saudável na comunicação social e nas redes sociais. Paulo Mendes alerta, contudo, para o risco das “super-dietas e escolhas alimentares mais alternativas, com benefícios duvidosos, de que é exemplo a paleo, que recorre a demasiados suplementos proteicos e a exercício físico sem qualquer orientação”.
Ana Guerra, 39 anos, nutricionista da Marinha Grande, tem a mesma opinião. “É preciso ter cuidado com as modas, porque levam a extremismos, ao retirar nutrientes essenciais para o crescimento e para a saúde, como o leite, que é indispensável, a menos que haja alergias ou intolerâncias.”
“Cada vez mais surgem novas dietas e todas apregoam benefícios para a saúde. No entanto, é necessário ter um olhar crítico. Muitas podem ser demasiado restritivas ou mesmo eliminarem um alimento ou grupo de alimentos importante”, alerta Joana Moutinho, 34 anos, nutricionista de Leiria. “Cada vez mais assistimos à busca de soluções rápidas e milagrosas, em vez de mudanças de estilo de vida profundas e duradouras. Por isso as dietas da ‘moda’ podem ser até perigosas.”
Raquel Oliveira, 37 anos, nutricionista de Leiria, concorda. “Dietas da moda sempre existiram, tal como fases em que os alimentos são fantásticos e, logo depois, já são péssimos. Deixar de beber leite, não comer nada que tenha glúten, fazer jejum… Todos os dias há mais uma teoria”, observa.
[LER_MAIS] “O ideal seria que, em todos os casos, se procurasse ajuda de um profissional da área da nutrição para que, em conjunto, se possa perceber as motivações subjacentes às escolhas alimentares, adequar às orientações de uma alimentação saudável, que deverá ser equilibrada, variada e completa.”
Falta de literacia alimentar Joana Moutinho considera essencial aumentar a literacia alimentar dos cidadãos. “Sem sombras para dúvidas que aquilo que tem de ser feito é aumentar a literacia alimentar e nutricional da população para que esta possa fazer escolhas mais saudáveis”, confirma Raquel Oliveira.
Até porque, acrescenta, “por vezes, um produto com menos açúcar poderá ter o mesmo valor calórico que o seu equivalente com mais açúcar”.
Raquel Oliveira constata, contudo, que houve um grande aumento de produtos dietéticos no mercado, embora uns com mais interesse nutricional do que outros. Mais céptico, Paulo Mendes não acredita que, no futuro, o consumo de produtos com menos teor de açúcar, gordura e sal aumente, porque “não têm sabor e são intragáveis”. “Talvez daqui a uns 30 a 40 anos possamos ter resultados com uma campanha de informação massiva.”
Ana Guerra defende que ainda há muito a fazer nesta área, apesar de destacar o facto de os rótulos dos alimentos, hoje, serem mais esclarecedores, bem como a preocupação em disponibilizar alimentos com menos teor de açúcar e de gordura saturada e em dar resposta a determinadas patologias. “Mas ainda estamos longe da perfeição”, observa. A começar pelo preço deste tipo de produtos, por norma, muito mais caros do que os outros.
“Outra estratégia passa pela modificação da oferta de determinados alimentos (por exemplo, com elevado teor de açúcar, sal ou gordura), controlando o seu fornecimento e vendas nos estabelecimentos de ensino, de saúde, nas instituições que prestam apoio social e nos locais de trabalho”, defende Raquel Oliveira.
Uma medida que já está a ser adoptada em Portugal e que considera importante para criar ambientes promotores de uma alimentação saudável, apesar de sublinhar que “paralelamente, tem de haver educação/reeducação alimentar para os hábitos alimentares saudáveis sejam efectivamente hábitos”.
Paulo Mendes não concorda com a adopção de medidas restritivas. “Não podemos impor escolhas alimentares à nossa população. Vai ser altamente perverso, pois mexe com a liberdade. Temos sim de as ensinar e dar opções de escolha”, afirma o nutricionista.
“Em contexto hospitalar, a tendência é para não haver opções de escolha, o que vai provocar um aumento da procura de pastelarias e supermercados. Se não têm no hospital, compram lá fora.”
Não passar fome
Não fazer dietas sem hidratos de carbono
Moderar o consumo de peixe e de carne
Fazer cinco a seis refeições por dia
Acompanhar as refeições principais com produtos hortícolas
Ingerir três peças de fruta por dia
Tomar sempre o pequeno almoço
Consumir entre 1,2 e 1,5 litros de água por dia
Praticar exercício físico
Fontes: Paulo Mendes e Ana Guerra
Famílias na génese do problema
“O nosso estilo de vida e os nossos hábitos alimentares não estão adaptados para que estas medidas surtam efeito, nem a curto, nem a médio, nem a longo prazo”, afirma o nutricionista de Pombal, até porque este tipo de produtos vai continuar a existir. “Temos uma sociedade sobrealimentada e temos um consumo desenfreado do ponto de vista calórico. A génese do problema está nas famílias. Temos de as educar e ensinar a fazer escolhas mais saudáveis”, recomenda.
A solução passa, assim, a seu ver, pela educação desde o pré-escolar até ao ensino básico, envolvendo a família. Ana Guerra defende que a educação alimentar devia mesmo fazer parte dos currículos das escolas. “Os pais cuidam dos bebés com muito cuidado até aos 12 meses e cumprem religiosamente as indicações dos médicos. Quando as crianças atingem essa idade e dizem aos pais que os filhos podem passar a comer de tudo, começam os problemas”, alerta Paulo Mendes.
“Passa-se de uma abordagem excelente para a anarquia. As crianças começam a beber leite achocolatado, a comer Nestum e deixam de ingerir sopa e legumes.” Em consequência disso, o nutricionista de Pombal diz que há cada vez mais adolescentes com problemas de diabetes, provocados por maus hábitos alimentares, que estão de tal forma enraizados que irão provocar problemas de saúde mais complicados quando tiverem 40 anos.
“Prevê-se uma sociedade doente, e não produtiva, com consequências brutais, do ponto de vista económico”, alerta. O aumento da procura de especialistas em nutrição pode contribuir, contudo, para uma mudança de mentalidade e, em consequência disso, para a adopção de estilos de alimentação mais saudáveis.
A prova disso é que, hoje, os nutricionistas deixaram de ser consultados apenas por questões estéticas, pois a preocupação com a saúde é cada vez mais comum. Tanto da parte de mulheres, como de homens, adolescentes ou crianças.
Máquinas de vending introduzem alimentos saudáveis
A inovação é recente, pelo que ainda é difícil determinar se a opção por alimentos menos calóricos, que passaram a ser disponibilizados em máquinas de vending de algumas empresas e instituições da região, se deve a mera curiosidade ou a uma preocupação real em ingerir comida mais saudável. César Cunha, 45 anos, sóciogerente da Paladar Ideal , em Leiria, está a fazer a experiência com três clientes, mas diz que ainda é cedo para tirar conclusões. “Penso que foi o mercado que assim o exigiu”, comenta. Contudo, deixa em cima da mesa a possibilidade de retirar alguns destes produtos das máquinas, caso a adesão seja pouco significativa. O sócio-gerente da Paladar Ideal acredita, no entanto, que a receptividade a este tipo de alimentos mais saudáveis aumente com a aproximação ao Verão. Peças de fruta, fruta desidratada, fruta em puré, muesli, galetes simples ou com chocolate e puré de batata com cenoura são as novidades introduzidas. “As pessoas procuram novas soluções e temos de ter um bocado de tudo”, justifica Miguel Canelas, 44 anos, responsável comercial e de logística da Mavivending, de Coimbra. O ainda responsável pelo armazém de Leiria diz que, por enquanto, o consumo de alimentos menos calóricos é menor do que dos outros alimentos, talvez por alguns serem mais caros. Miguel Canelas acrescenta ainda que as pessoas continuam a preferir sandes que tenham maionese do que sandes mais simples. “Acredito que, daqui a uns dois ou três anos, as coisas sejam diferentes. Actualmente, não.“ A título de exemplo, refere que, há um ano, fez a experiência de disponibilizar fruta numa escola e nem uma peça foi consumida. “É uma questão de hábito. Em casa, têm a fruta à mão. Na escola, a gastar por gastar, preferem comprar um chocolate.”