No banco do Benfica, o reinado de Bruno Lage está entre Rui Vitória e Nélson Veríssimo. O facto que qualquer adepto conhece ganha outros contornos quando se percorrem os arquivos da Taça da Liga: numa noite de quarta-feira, 26 de Setembro de 2007, um daqueles milagres que abundam no futebol aconteceu no Estádio Municipal de Fátima, actual Estádio Papa Francisco, com o FC Porto a cair na terceira eliminatória, depois de um empate a zero e 4-2 nas grandes penalidades.
Pelo Centro Desportivo de Fátima, à época a estrear-se no segundo escalão, actuava Nélson Veríssimo. O onze da cidade- santuário era comandado por Rui Vitória e voltou a surpreender o País na eliminatória seguinte, ao vencer (2-1) o Sporting no Restelo (o relvado de Alvalade estava impraticável). Seria preciso um golo de Liedson na segunda mão, a oito minutos do fim, para selar o 2-3 e colocar ponto final no sonho do CD Fátima, que liderou o marcador por duas vezes.
Pedro Duarte, guarda-redes do CD Fátima nas três partidas, fala de um encontro olhos nos olhos com o Porto (no qual defendeu um penálti) e destaca a tranquilidade e confiança que permitiu colocar o Sporting em sentido. A coordenar a defesa, destacava-se o capitão Nélson Veríssimo, que era também o nome mais cotado no plantel.
“Impõe-se naturalmente”, afirma Pedro Duarte, sobre o actual treinador do Benfica. “É muito trabalhador, é muito meticuloso”. Discreto, mas verdadeiro – “aquilo que se vê na televisão é aquilo que ele é” – e alguém que se previa poder dar treinador, pela inteligência na leitura do jogo e pelas características de líder, na opinião do guarda-redes natural da Marinha Grande.
Nélson Veríssimo representou o CD Fátima durante quatro temporadas, entre 2007 e 2011, ao mesmo tempo que nomes como André Santos, Héldon, David Simão e Mário Rui. E apesar de duas descidas de divisão – na primeira época (a do brilharete na Taça da Liga) e na última – está no melhor período do clube: as únicas três presenças no segundo escalão,melhor classificação de sempre (8.º lugar na II Liga em 2009/2010) e o único título nacional (Segunda B, em 2008/2009, com triunfo sobre o Chaves de Leonardo Jardim na final, a carimbar a subida de divisão).
Veríssimo chegou pela mão de Rui Vitória. “Quando falámos dele, pensei que fosse inviável”, recorda o presidente da Câmara Municipal de Ourém, Luís Albuquerque, que nesse tempo era o vice-presidente do CD Fátima para o futebol. “Depois de chegarmos a acordo, percebi porque tinha vindo. É uma pessoa muito calma, muito equilibrada, muito serena”. E o CD Fátima “era um clube apetecível, estável”, com o apoio do Grupo Lena enquanto principal patrocinador.
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Segundo Luís Albuquerque, Veríssimo foi até ao último dia “um dos esteios da equipa” e há um episódio que demonstra o compromisso com que vestia a camisola: depois da descida ao terceiro escalão, ficou, apesar do estatuto conferido por mais de 200 jogos na primeira liga. “Demonstra verticalidade”, resume o autarca.
Formado no Benfica, e depois de passagens pela Académica e pelo Alverca, Veríssimo assinou pelo CD Fátima com 30 anos de idade, vindo do Vitória de Setúbal para emprestar experiência ao emblema acabado de subir ao segundo escalão. Por pouco não acabou a carreira no concelho de Ourém: só jogaria mais uma época, em Mafra, antes de regressar ao Benfica para ser adjunto de Luís Norton de Matos na equipa B.
De acordo com António Pereira, na presidência do clube em 2007, Veríssimo “era o pilar da defesa” e fora do campo também revelava qualidades: “Muito correcto, muito bem-educado, muito humilde, sempre bem-disposto”.
A escolha do Benfica para substituir Bruno Lage até novas ordens não espanta António Pereira. “Quando vi o nome dele, não fiquei nada surpreendido. É a pessoa certa, neste momento, pelo seu carácter e mentalidade desportiva, para fazer a transição”, refere ao JORNAL DE LEIRIA.
Quem também conhece bem Veríssimo é o antigo jogador e treinador do CD Fátima e da União de Leiria, Kata, que confirma a capacidade de Veríssimo para comandar. “Assertivo”, mas capaz de aceitar as brincadeiras de balneário. E eram muitas. Como quando pediam ao massagista para tratar o joelho do central com o filtro do jacúzi, pela veterania.
Kata diz que no futebol se fazem poucos amigos, mas Veríssimo é um deles, um amigo que fez para a vida. “Inclusivé, esta semana estive a falar com ele”. Veríssimo identifica-se “com a maneira como Bruno Lage trabalha” – de quem era adjunto – e “vai dar seguimento”, com “o cunho dele”, acredita Kata.
Intervalo na carreira como adjunto ou primeiro passo em novas funções? O futuro, ninguém adivinha. Mas, mais tarde ou mais cedo, diz Kata, Veríssimo quer afirmar-se como treinador principal: “Isso é seguro”.