Quando os “alas aceleram pelas linhas”, Rodrigo Basílio não consegue pensar noutra coisa que não seja nos movimentos das torres no xadrez.
O mesmo se passa com as cada vez mais em voga “diagonais” dos futebolistas ou até com os “passes a rasgar”, que o rapaz, à beira de completar 15 anos de idade, imediatamente compara aos deslocamentos dos bispos pelo tabuleiro.
Esta associações, que naturalmente não se ficam por aqui, são, para ele, incontroláveis e difíceis de evitar, mas não são mais do que uma consequência saudável dos muitos anos que já leva de prática desportiva de ambas as modalidades.
No mês passado, de resto, conquistou pelo quinto ano consecutivo o título nacional de partidas semi-rápidas, em xadrez, mas não é por estar nesse patamar que tem em mente deixar de jogar futebol na Academia CCMI, em Leiria, onde alinha na equipa de iniciados que disputa a Divisão de Honra distrital.
Considera, ao invés, serem modalidades, acima de tudo, complementares para um jovem da sua idade. O facto de praticar futebol permite-lhe ganhar uma capacidade física que, entende, é fundamental no momento em que está a disputar uma competição de xadrez.
“É importante estar bem fisicamente, porque os jogos são muito longos, às vezes temos dois num dia, de quatro horas cada, e temos de resistir.”
Explica até que Magnus Carlsen, número um mundial, “é acompanhado por um preparador físico”.
A justificação do prodígio norueguês de 30 anos, líder do ranking mundial desde os 19, foi dada numa entrevista ao Financial Times. “Quando se joga xadrez ao meu nível, a preparação é tão física como é mental. É vital que eu me sinta bem no meu corpo para estar na total posse das minhas faculdades”, garantiu então.
Em sentido contrário, está, naturalmente, a facilidade com que olha para o relvado e percebe a necessidade de distribuir os elementos pelo hectare de terreno do jogo.
“No futebol tenta virar-se o jogo para se ganhar algum espaço e no xadrez é exactamente igual. Não podemos querer ter as peças todas no mesmo lado do tabuleiro e quando estão presas num sítio temos de atacar por outro lado”, sublinha o rapaz que joga xadrez desde os cinco anos e futebol desde os sete.
[LER_MAIS]Diagonais à bispo
“Tem uma capacidade mental que lhe permite interpretar rápido o que se está a passar. Percebe onde o jogo está imediatamente, de tal maneira que às vezes é um problema para os adversários e ainda bem. Parece que está a jogar com as peças de xadrez em campo”, sublinha Luís Martins, treinador de Rodrigo Basílio nos iniciados da Academia CCMI.
“Ele joga numa posição mais avançada e às vezes digo-lhe para fazer uma diagonal e é tal e qual o bispo, vai de um lado para o outro.”
Para o técnico, seria “óptimo” que todos os jovens complementassem a prática de uma modalidade mais física com outra mais intelectual.
“No futebol os pés só acompanham, a cabeça é que tem de jogar”, explicou, aludindo à frase dita por Johan Cruijff, um dos melhores jogadores e treinadores da história do FC Barcelona e da selecção neerlandesa. “Faz falta saber outras coisas, porque no futebol são 22 jogadores e só há uma bola, por isso é preciso saber jogar sem ela.”
Anui Duarte Basílio, pai de Rodrigo e presidente dos Corvos do Lis, clube de Leiria dedicado à modalidade de tabuleiro. “Um jogador de futebol pode ter um chuto muito bom e meter a bola onde quer, mas se na altura de decidir se remata ou passa tomar a decisão errada de nada vale o bom pé. No xadrez é exactamente a mesma coisa. Até há uma frase que diz o seguinte: quando vires uma boa jogada tem calma e procura uma melhor.”
Parecem finalmente estar a acabar os preconceitos. Estas modalidades, aparentemente tão díspares, começam a ser praticadas pelas mesmas pessoas, porque têm mais a uni-las do que a separá-las. No final da competição que Rodrigo Basílio ganhou, numa escola em Soure, houve uma clara demonstração disso mesmo.
“Foi muito engraçado. Ao lado havia um campo de futebol e fomos para lá jogar à bola. Praticamente todos os jogadores do torneio estavam lá. Era tanta gente que mal dava para tocar na bola.”