O conflito entre a Rússia e a Ucrânia vai afectar o consumidor final em Portugal, com a subida do preço do pão e da carne, devido ao aumento dos preços dos cereais, que já se faz sentir, com subidas que chegam a ser de 30% em dois dias, alerta o presidente da Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais.
“Não querendo ser alarmista, a realidade é que nos podemos deparar até com escassez de milho e de trigo”, expõe José Palha, que representa produtores de cereais destinados a alimentação humana e a alimentação animal. A situação torna-se especialmente “difícil” num ano de seca, [LER_MAIS]em que muitos animais já estão a ser alimentados, em grande parte, com recurso a rações.
“Os produtores ficam numa posição muito complicada”, observa. José Palha salienta que Portugal depende da importação de trigo mole (para transformar em pão) e de trigo duro (para transformar em massas). Entre ambos os géneros, importa 90% do trigo que consome. Importa ainda quase 80% do milho que precisa. Quer no caso do milho, quer no caso do trigo, grande parte provém precisamente dos dois territórios agora em conflito. “A Rússia e a Ucrânia fornecem cerca de 30% do mercado mundial”, realça o dirigente.
Se não contarmos com os cereais da Rússia, nem da Ucrânia (onde os produtores locais terão dificuldade em fazer as sementeiras, por falta de combustíveis, fertilizantes, etc.), existe, em teoria, a possibilidade de recorrer a produtores da Argentina ou do Brasil. No entanto, observa José Palha, sem poder contar nem com a Rússia nem com a Ucrânia, todos os outros países vão procurar comprar cereais precisamente nesses mercados alternativos. Acresce ainda outro problema, aponta o presidente: “a China tem vindo a açambarcar mais de metade dos stocks mundiais de milho e trigo”.
Marta Casimiro, administradora da Panidor, empresa sediada em Leiria, produtora de artigos de padaria e pastelaria, também considera que este conflito vai ter impactos na carteira do consumidor. Os seus preços ainda se mantêm, mas a empresária não sabe até quando.
“O preço do pão já tinha aumentado devido à pandemia. Em Julho, Agosto e Setembro de 2021, só havia stoks de trigo em Portugal para 15 dias”, salienta Marta Casimiro, lembrando que, quando outros países ainda estavam muito focados em travar a Covid-19, já a China estava a fazer grandes consumos de cereais, fazendo-os escassear. Em simultâneo, o Brasil, também produtor, atravessava uma grande seca.
Presentemente, o mundo conta com menos 30% de cereais, com grande dificuldade em fazer chegar navios aos portos russos e ucranianos. Os preços dos cereais batem máximos históricos, prossegue Marta Casimiro.
Os contratos da Panidor estão fechados por algum tempo, mas “não sabemos até quando os nossos fornecedores aguentam os preços”, sublinha a empresária. A este constrangimento junta-se o aumento dos preços de gás, essencial para aquecer os fornos das empresas deste ramo, acrescenta a responsável.
Empresários de Leiria exigem medidas
Amália Duarte, administradora do Grupo Aviliz, de Leiria, que entre outros negócios, se dedica à produção de rações, comércio de pintos, de ovos e de suínos, diz que a situação actual é “dramática” e acredita que, a curto trecho, o consumidor vai pagar a factura deste conflito, com o aumento do preço de todos estes bens. “Temos as compras feitas, até Abril, aproximadamente, mas não de todos os produtos. E esta guerra fez aumentar muito o preço das matérias-primas”, aponta a administradora, para quem o pior será mesmo se os cereais forem desaparecendo do mercado.
“Alimentamos os nossos animais e não queremos que morram à fome ou que deixem de produzir com qualidade”, observa.
Também David Neves, presidente da Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores, está apreensivo: “Uma das situações que também muito nos preocupa é a escassez de cereais para os alimentos dos animais, sendo que a Ucrânia é definida como o celeiro da Europa. Era onde nos abastecíamos, numa parte significativa, dos cereais que usamos para a ração dos nossos animais”, observa.
Com esta situação “corre-se o risco de, num curto espaço de tempo, ficar sem alimentos” para os animais. David Neves revelou que os “fornecedores de cereais já estão a fazer rateio da quantidade de cereais que cada fábrica de rações pode levantar”, o que os está a deixar “francamente preocupados”.
“Pedimos à senhora ministra da Agricultura que, no seio do Conselho de Ministros da Europa, alerte os decisores políticos da União Europeia para a possibilidade de abrirmos a outros mercados e podermos receber cereais de outras origens”, expõe David Neves.