A ESSLei é membro fundador da World Rehabilitation Alliance (WRA), sendo a única instituição de Portugal nesta rede de parceiros da Organização Mundial da Saúde. Também é membro da comissão ISO – Wheelchair, onde define as guidelines para aprovação de cadeiras de rodas. Que impactos tem esta representação em redes internacionais?
O facto de colaborarmos em rede no actual contexto do ensino superior, da investigação e da inovação é determinante. Não importa pertencer a qualquer rede, mas integrar redes que actuem como factor de sinergia, que ajudem a complementar aquilo que já temos e que ajudem a projectar o que queremos fazer. Vamos continuar a promover as redes que temos para a formação, em particular com estes parceiros que são estratégicos. Também temos uma parceria agora com a Faculdade de Medicina Dentária de Lisboa para a promoção de higiene oral para envolver os enfermeiros. Portanto, para a formação e para a inovação estas redes são fundamentais. Mas a WRA é uma rede de associações, que resultou de uma candidatura nossa, que pretende produzir guidelines para o acesso à reabilitação. A reabilitação tem de ser entendida como um conjunto de cuidados que tem de estar acessível a todos. Tenho trabalho na área de reabilitação cardíaca e sei que ter acesso a um programa de reabilitação cardíaca ou respiratória para quem mora em Leiria é muito diferente de quem mora no norte do distrito. O facto de estarmos na ISO, além de darmos o nosso contributo para a elaboração de guidelines, projecta também muito o trabalho que fazemos aqui na escola e dá-nos visibilidade.
A ESSLei criou os mestrados em Cuidados Paliativos e em Terapia da Mão. O futuro passa por criar ciclos de estudos mais específicos e diferenciadores?
A nossa oferta formativa está muito relacionada com as necessidades sentidas pelos parceiros e pela região, estando atentos àquilo que é a saúde do futuro. Temos de conseguir projectar aquilo que vão ser os cuidados de saúde no futuro, que já é hoje, e formar a pensar nessa realidade. Há áreas específicas onde estamos a actuar porque há essa necessidade. Outro exemplo, temos um mestrado em Fisioterapia, no qual criámos dois ramos em duas áreas que são emergentes. Um deles é a fisioterapia pediátrica, e o outro tem a ver com a prescrição de exercício fisioterapêutico. São duas áreas que foram identificadas como formação que é necessária.
Pensando nesse futuro, que formação pode surgir?
Continuaremos a formar nas áreas core do cuidar: Enfermagem, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Terapia da Fala e Dietética e Nutrição. Estas são as áreas core da nossa escola. Mas sentimos esta necessidade de formar para as profissões do futuro. E é esse o desafio que temos em mãos para o pólo em Torres Vedras, numa parceria que temos há mais de cinco anos. Neste momento, temos lá a funcionar cursos técnicos superiores profissionais (TeSP), mas o projecto que fizemos com a Câmara é para alavancar aquelas áreas de formação para licenciatura, seja da estética, seja da inovação alimentar. Também queremos criar formação para as competências da saúde do futuro. Pretendemos ter uma licenciatura na área da saúde digital. Hoje os profissionais de saúde tomam decisões com base em uma imensidão de dados. É preciso alguém que trate aqueles dados, que os transforme e os ajude a tomar decisões. Portanto, é aqui que entra a inteligência artificial (IA) na área da saúde. A decisão é clínica, é humana, mas estas estratégias de ajuda à tomada de decisão vêm do lado da digitalização do Machine Learning. A saúde e as técnicas na área do cuidar evoluíram. Por isso, teremos em Torres Vedras uma oferta formativa diferente daquela que é clássica.
Há mudanças previstas nos currículos?
Há uma remodelação emergente que resulta da experiência da pandemia, que tem que ver com a questão de estarmos online. De repente passámos a dar aulas para um computador. Não é a mesma coisa do que fazer ensino online. Uma das reformulações será necessariamente pensar que os cursos presenciais podem ter uma componente online síncrona ou assíncrona. Nos últimos anos capacitámos muito do lado da inovação e da investigação, pela relação muito próxima com CiTechCare. É isso que distingue o ensino superior: temos de ensinar aquilo que investigamos. Como temos os docentes a fazer investigação, será muito fácil dar uma aula nessa área com exemplos práticos e ir um bocadinho além até daquilo que aparece escrito nos manuais.
A IA é mais um desafio para o ensino superior?
A IA não é apenas específica da saúde, nem só do ensino superior. É transversal. Já há ferramentas para descobrir se algo foi feito dessa forma. Não podemos meter a cabeça na areia e fazer de conta que não existe. Podemos e devemos utilizá-la em prol daquilo que queremos fazer, que é transmitir conhecimento, investigar e inovar. Na área da saúde, a IA tem especificidades, desde logo as questões éticas. Na investigação há limites. A IA é um desafio para o ensino, para a investigação, para a inovação e para nós, enquanto sociedade.
A licenciatura em Enfermagem era a principal formação da ESSLei. A área da reabilitação tem crescido e tornado a ESSLei numa referência. Esta é uma área em que pretende apostar mais?
Sim. No nosso projecto a reabilitação é o coração, porque agrega todas as outras áreas. A Enfermagem tem uma especialidade que é Enfermagem de Reabilitação. A Fisioterapia trabalha na área da reabilitação. Os outros cursos da escola estão numa área que se chama terapia e reabilitação. Durante este mandato elegi como área central da escola a reabilitação precisamente por ter esta característica de ser agregadora. Também, por isso, a escola submeteu à aprovação um doutoramento na área da reabilitação e envelhecimento.
Para quando esse doutoramento?
O doutoramento que tínhamos foi submetido com a Universidade de Évora e em colaboração com a Politécnica da Catalunha. Foi submetido a uma avaliação exclusivamente constituída por médicos, que acharam que era um doutoramento em Medicina. Não é. Houve algumas alterações que foi preciso fazer. Na altura, o nosso poder negocial era outro e a Universidade de Évora, que era a proponente, entendeu que devíamos reflectir um pouco mais. Hoje seria diferente, porque já posso dar o grau e antes não podia. Este projecto é para continuar com a Politécnica da Catalunha. Se a Universidade de Évora quiser, mantemos o contacto, mas iremos avançar com esta proposta, agora como proponente. Para isso, precisamos que o CiTechCare, o nosso menino que tem 4 anos, tenha avaliação de muito bom ou excelente e eu acredito que sim. Criámos um ecossistema de inovação e de investigação na área da saúde extraordinário.
O CiTechCare é uma das principais unidades de investigação. Que investimentos faltam fazer?
Parte do investimento do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] disponível para a ESSLei foi canalizado para reabilitar o edifício do campus 5, que já não está adaptado às condições que hoje precisamos. Antes era uma escola de enfermagem e agora é um hub de inovação em saúde, com um centro de investigação. Inicialmente, eu e a coordenadora, a professora Maria Guarino, fizemos um projecto espectacular,mas quando chegou a realidade percebemos que o dinheiro não chegava. Por isso, vamos fazer uma intervenção importante na estrutura, na eficiência energética, alargar o aTOPlab e reformular o centro de simulação em saúde e convertê-lo num laboratório de comunicação. Iremos fazer um laboratório satélite que dá para investigação e para aulas. Também fizemos muito investimento na escola. Reformulámos os pisos e os laboratórios. Neste momento, temos um laboratório de gastrotecnia do melhor que é exigido, um laboratório de comunicação associado à terapia da fala e outros dois para as actividades da fisioterapia e da terapia ocupacional. Temos ainda algo que é diferenciador e até pioneiro: o CiTechCare tem um laboratório equipado por financiamento próprio, a funcionar no serviço de Pneumologia do hospital de Leiria.
A ESSLei preenche logo na primeira fase do concurso nacional de acesso todas as vagas das suas licenciaturas. A que se deve esta procura?
Nem sempre foi assim em todos os cursos. No índice de procura, um dos indicadores que o ministério disponibiliza, temos cursos com um índice de procura de 14, o que significa que há 14 vezes mais candidatos do que vagas. A procura tem aumentado e quero crer que tem muito a ver com o prestígio que a escola tem alcançado e pelo caminho de valorização interna e externa, que capitalizam a forma de atrair alunos. Pode até ser bom porque conseguimos captar os melhores e a região fica a ganhar. O futuro da saúde da região também depende muito daquilo que, nós escola, conseguimos fazer. Há uma grande maioria dos estudantes que formamos que ficam na região. Fazemos investigação e inovação com muitos parceiros da região e depois há vários projectos de extensão que promovem a literacia em saúde. Tudo isto vai impactar, sem dúvida, a qualidade de vida das pessoas da região.
Qual poderá ser o papel da ESSLei na Unidade Local de Saúde (ULS) que será criada em Janeiro?
Será aquele que entenderem que devemos ter. Estamos totalmente disponíveis para aquilo que a ULS entender que podemos colaborar. Em termos de funcionamento da ULS e de integração com o ensino superior podemos fazer uma mudança muito grande. Por exemplo, nos cursos de enfermagem podemos ter parte das unidades curriculares divididas em módulos e um deles ser dado no hospital por um enfermeiro. Claro que o enfermeiro terá de ter uma redução da parte assistencial, mas é possível fazê- -lo. Já fazemos muitos projectos de investigação com o hospital. Uma alternativa ao aumento dos salários para fixar os profissionais de saúde em Leiria – isto o privado não consegue – é criar um programa de doutoramento para os profissionais de saúde da ULS, desenhado para eles e articulado connosco. Acredito que a ULS vai correr bem e que vamos ter uma melhoria clara na saúde. Esta minha visão optimista depende, acima de tudo, da capacidade de liderança de quem estiver à frente.
A ESSLei está a celebrar 50 anos. Quais os marcos mais importantes e um olhar para o futuro?
O primeiro foi quando a Escola de Enfermagem [antiga designação] deixou de ser do Ministério da Saúde e passou para a Educação e depois Ensino Superior. O outro foi quando a ESSLei entrou no Politécnico de Leiria. Estes são os dois marcos que mais impactaram a história da escola. Iremos continuar a ter necessidade de formar profissionais de saúde. Somos cada vez mais velhos, logo precisamos de cuidados. Vivemos mais, temos mais doenças crónicas e precisamos de bons profissionais de saúde. A ESSLei vai continuar a ter responsabilidade em formar na área do cuidar.
Está a chegar ao final do seu mandato. De que projectos mais se orgulha e o que ficou por fazer?
Orgulho-me muito de ter estado à frente da escola durante estes quatro anos e os colegas e o Conselho de Representantes irão avaliar. Mais importante do que foi feito é avaliar a proposta do que tenho para frente, porque me vou recandidatar. Orgulho-me do posicionamento da escola, interna e externamente. O facto de ser de uma área que não a enfermagem pode ter ajudado a esta valorização no seio do Politécnico e junto dos nossos parceiros. Comprometi- me em criar um doutoramento. Fiz uma proposta e gostava que o processo estivesse concluído. Há quatro anos achei que era importante pensar com estratégia, o que implica definir ideias, pensá-las com tempo e pô-las depois em acção. Mas foi uma chatice, porque tomei posse em Dezembro e em Março estávamos todos a ir para casa por causa da pandemia. As medidas que eu e a minha equipa implementámos não correram mal, pelo contrário, foram de muita visibilidade. Estivemos em todo o lado e foi uma oportunidade para os alunos. Mas nada foi pensado. A estratégia ficou de lado. Quando as coisas estavam mais assentes, surgiu o ataque informático. Por isso, vou-me recandidatar, porque sinto essa responsabilidade.
Enfrentou a pandemia quando tomou posse