Há quem salte de pára-quedas ou faça uma viagem para celebrar um aniversário marcante. Em Novembro, Luís Serafim completa 60 anos e quis presentear-se com um evento que, até ao momento, permanecia apenas no seu imaginário: participar na Marathon des Sables, em Marrocos, conhecida como a maratona mais exigente do planeta.
Com uma vida ligada ao desporto, Luís Serafim é rápido a afirmar que esta não é uma prova, mas sim “uma experiência”. “Não tive dúvidas que ia conseguir fazê-la”, afirmou o leiriense. Quando contou aos amigos e familiares que, finalmente, ia inscrever-se na maratona, a reacção foi semelhante. “Aqueles que me conhecem, disseram ‘Há anos que falavas disto, sabemos que a vais fazer’”.
Perante 250 quilómetros em completa autonomia, com temperaturas inóspitas, o atleta passou meses a preparar-se para uma experiência bastante exigente.
Os treinos arrancaram em Setembro de 2023, com corrida, bicicleta e reforço muscular. Divididos em várias fases, passaram a ser mais longos e, na última fase, entrou a parte técnica. “Corria com uma mochila e um garrafão de seis litros lá dentro. Fiz toda a praia da nossa zona, desde a Leirosa até São Martinho do Porto, a caminhar e a correr”.
A preparação física com a mochila antecedia a real prova de esforço, já que a autonomia na maratona obrigava a que cada atleta levasse consigo todo o material necessário para viver sete dias no deserto.
A 12 de Abril, dia em que todos os atletas começaram esta experiência, Luís Serafim levava às costas 9,1 quilos. O maratonista colocou dentro da mochila todo o material necessário à sua sobrevivência. Quanto à roupa, levou dois pares de meias, calções, t-shirts e um blusão de penas para aguentar o frio da noite, entre outros materiais essenciais à corrida.
Levou 15.743 calorias, entre caldos em cubo (para garantir a quantidade necessária de sal no corpo), farinha láctea, frutos secos, barras energéticas e refeições prontas a comer. Uma panela e oito acendalhas ajudaram a confeccionar as refeições.
Cremes solares, medicação, sabonete e água, claro, também acompanharam o atleta. Tudo contado ao milímetro para que não faltasse nada, mas também para não carregar materiais a mais. Luís Serafim levou ainda um telemóvel, em modo de voo, para comunicar com a família e amigos, quando era possível.
Feita a preparação, é hora de arrancar. A maratona dividiu-se em seis etapas e, na primeira, Luís Serafim aproveitou para se “adaptar” ao calor, ao terreno, e à corrida em si. A envergar o número 302, o leiriense correu as primeiras 5:43 horas a uma velocidade média de 5,38 km/h.
Momentos marcantes no bivaque
No total, percorreu 250 quilómetros em cerca de 47 horas. A experiência foi marcante, do início ao fim, mas há episódios que o atleta lembra com especial carinho. “Os momentos mais marcantes nem foram durante a prova, foram no bivaque. Onde estamos em tendas, com mais seis pessoas, e partilhamos tudo: a nossa vida, as nossas dores… onde nos curamos uns aos outros, literalmente, devido às feridas nos pés”, recorda.
Luís Serafim partilhou as noites com três portugueses, dois espanhóis, um guatemalteco e outra pessoa com quatro nacionalidades. Amigos para a vida, afirma. “A diversidade cultural era enorme mas a partilha era de irmãos. Se faltava alguma coisa a um, entre nós resolvíamos sempre a situação”.
“Vamos para o deserto super acompanhados, quer com os amigos que levamos, quer com os amigos que fazemos”.
O companheirismo torna a corrida mais fácil de suportar e a capacidade de superação de muitos dos participantes também surpreendeu este leiriense. “Marcou-me o esforço em que as pessoas menos bem preparadas chegavam ao final de cada um dos dias. Achava que iam desistir e, no dia seguinte, estavam lá novamente. A força de vontade e a resiliência faz com que acabem um dia completamente destroçadas e no outro dia estão lá outra vez”, comenta.
Apesar do esforço físico a que a maratona obriga, Luís Serafim relata que correu com “as mazelas normais”, como bolhas nos pés, sem sofrer grandes dores musculares. “Aguentei bem o calor e tive sempre tudo controlado”.
Na última etapa, um dos colegas de tenda caiu e magoou o joelho. “A partir desse momento, parei de correr. Fui ter com ele para garantir que acabava, nem que o tivesse de levar às costas”.
Chegaram os dois à meta e o maratonista de Leiria afirma que terminou “com o sentimento de dever cumprido”. “Muitos são os que desejam e poucos são os que se inscrevem. Menos ainda são os que chegam ao fim”, consta, ao recordar que estiveram nas areias do Sara 1.008 pessoas, entre elas dez portugueses.
Nesta experiência, a classificação final era o que menos interessava a Luís Serafim. Terminada a maratona mais exigente do planeta, o que se segue? “Agora é viver a vida normal, retomar o trabalho, a relação com a família e pensar no que está escrito na parte de trás da medalha: never stop dreaming [nunca pares de sonhar, em português]”, afirma.