“Estamos um bocadinho atrapalhados com a situação”, admite o orizicultor Nuno Guilherme. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, em finais de Junho, 28,4% do território nacional estava em seca extrema, e o restante em seca severa (67,9%) e moderada (3,7%).
O distrito mantém-se em seca severa. A meio de Julho, os efeitos dos caudais cada vez mais diminutos do rio Lis sentem-se com especial gravidade em culturas que precisam de água constante, como a do arroz.
Um dos primeiros sinais de que a seca estava a dificultar o ano agrícola no Vale do Lis, surgiu quando, após um longo período de “muito calor”, chegou a hora de fazer a monda dos campos.
“Após aplicar-se os herbicidas, é necessário inundar o campo com muita água, passados dois dias”, explica o agricultor. Normalmente, o processo desenvolve-se à custa do movimento gravítico, mas não desta vez. Foi preciso usar bombas para transferir água para as parcelas.
O arroz do Vale do Lis foi plantado há dois meses e faltam ainda mais três para as espigas do cereal estarem maduras e prontas para a ceifa. Neste [LER_MAIS]momento, Nuno Guilherme só tem a certeza de que terá uma quebra na produção, penalizada pelo aumento do custo dos fertilizantes, dos combustíveis e de quase todas as parcelas associadas à aritmética da produção do arroz.
E ajudas do Estado neste cenário? “Se houver uma quebra grande só posso contar comigo mesmo. Com certeza, nada haverá de apoio. Temos de nos aguentar!”, resigna-se.
Carlos Malhó, presidente da Associação de Beneficiários de Cela, que faz o aproveitamento hidroagrícola naquela parte do concelho de Alcobaça, explica que, pelo menos ali, se está a assistir a uma mudança na filosofia da rega de culturas agrícolas.
Além da solicitação aos associados para que não desperdiçassem água e da adopção de um sistema de pressão, deixando cair o tradicional sistema de gravidade usado para fazer correr o precioso líquido até aos campos, muitos converteram-se ao gota-a-gota, mais económico e igualmente eficaz.
“Apenas com a introdução do sistema de pressão, já estamos a notar que se está a usar menos água”, sublinha. Nos últimos meses, é visí- vel o “grande abaixamento de caudal”, no rio local, “diminuindo a disponibilidade de água de outros anos”.
Ainda assim, os sinais de seca nas culturas agrícolas ainda é residual, garante Carlos Malhó. “Há algumas maçãs queimadas nas árvores e poderá haver impacto no milho e hortícolas nos dias de maior calor.
Até em alguns pomares se está a usar rega gota-a-gota”, refere, adiantando que há 22 anos que é agricultor e que nunca viu “um ano assim”.
O presidente da União dos Agricultores do Distrito de Leiria, António Ferraria, admite que há regiões no País onde “o problema é mais grave”, porém, sublinha que é um problema a uma escala nacional e que todo o sector deveria estar a lutar a uma só voz, unido para pedir apoios para uma situação que, para já, é extraordinária.
“O maior problema está nas pastagens que, se com a seca já não estavam bem, com os fogos da semana passada, em especial em Ansião, Leiria e Pombal, as poucas que existiam foram destruídas.
Já antes da guerra na Ucrânia, as rações estavam muito caras e agora ainda mais. Os pequenos agricultores não conseguem pagar estes aumentos e os aumentos no preço do gasóleo, dos fertilizantes e de outros químicos”, alerta, solicitando ao Estado que apoie os produtores.
“Na inauguração do novo mercado em Leiria, pedi à ministra da Agricultura apoios. Desde que haja vontade, é possível essa ajuda, mas tenho a impressão que o Governo se preocupa muito pouco com a nossa agricultura”, adianta Ferraria, fazendo notar que 10% dos agricultores nacionais recebem 80% de todos os apoios, “com a desculpa de que é por causa de Bruxelas”.
Ferraria mostra-se igualmente preocupado com um eventual racionamento de água no sector.
Em Junho, foram anunciadas medidas no valor de vários milhões para aumentar a capacidade das albufeiras, melhorar sistemas de rega e novas captações de água subterrânea, e até construir uma dessalinizadora no Algarve.
Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente, a agricultura utiliza, por ano, 75% da água em Portugal e, devido ao tipo de regadio anacrónico e pouco ajustado à realidade actual, desperdiça cerca de um terço dessa água, só no transporte. A solução passa por tornar os sistemas de rega ainda mais eficazes