Na escola de Arrabalde da Ponte, em Leiria, um grupo de 20 crianças, alunos do 4.º ano do I Ciclo, ensaia uma peça de teatro no rectângulo verde do campo de futebol do recreio. “Está tanto calor, mas nós não estamos na Primavera!”, diz um dos jovens, a quem coube o papel de árvore.
“É uma tragédia! Vejam! A horta está seca!”, grita outro.
Todos os olhos se voltam para a criança que representa a horta que, neste momento, definha e tomba no chão. Os outros lamentam com um profundo e lúgubre “oohhh!” Ao lado, as coisas não parecem estar melhores.
“Olhem para o jardim! Está todo amarelo!”, diz outra das crianças e o grupo inteiro muda o foco das atenções para o aluno cujo papel é de jardim, amarelecido pela falta de água e pelo calor.
Estes 20 pequenos actores da escola do Arrabalde da Ponte, em Leiria, ensinam, pelo teatro, uma lição que os cientistas tentaram dar a conhecer ao mundo inteiro há 50 anos: “Atenção! Arriscamos destruir a nossa casa com as alterações climáticas”. Aliás, estas crianças, de 9 e 10 anos, já sabem algo que o Mundo ainda não quer ou não consegue perceber. Isto é, as alterações climáticas já chegaram e já não conseguiremos evitá-las. Se assim é, então o que podemos fazer? A turma responde com esta peça, criada no âmbito do projecto Climarte do Leirena Teatro – Companhia de Teatro de Leiria.
Durante uma semana, dois actores profissionais acompanham os alunos para que, no final, estes possam apresentar uma mensagem aos restantes colegas do estabelecimento de ensino: devemos preparar-nos para viver num Mundo muito mais inóspito, com vagas de calor, incêndios incontroláveis, secas e fomes.
“As alterações já não se conseguem parar e eles terão de viver com os efeitos daquilo que podíamos ter evitado”, explica o director artístico do Leirena, Frédéric da Cruz Pires, dando instruções para ensinar os mais novos a projectar a voz e a esquecer a vergonha.
A iniciativa Climarte junta dez escolas do concelho de Leiria e assenta no tema “As alterações climáticas vêm aí e temos de nos adaptar”.
“Não abordamos a mitigação das alterações, porque ela não foi feita e o tempo de a fazer já passou. Além da variante artística, do brincar, da interacção e da inclusividade – temos meninos com autismo, microcefalia e outras necessidades e dificuldades -, este projecto pretende que todos, como se fossem um coro, se libertem e falem sobre o assunto”, adianta o director artístico.
É um espectáculo que arrancou com uma colectânea de improvisos propostos pelas crianças, enriquecidos pelo dedo de Frédéric e a ajuda de Flávio Capelli, actor da companhia. Os docentes têm colaborado desde o primeiro momento.
Raquel Oliveira, a professora que acompanha esta turma do 4.º ano da escola do Arrabalde, explica que os alunos adoram e revelam muito interesse pela iniciativa.
“Nota-se uma melhoria até na sua maneira de estar. Ensaiam nos intervalos e treinam a coreografia da Dança da Chuva. Um dos alunos até faltou um dia e, quando chegou já sabia coreografia toda.”
Segundo o Leirena, esta é uma variação de outro projecto, o Colmeia, onde, durante uma semana, através do processo criativo, é desenvolvido um espectáculo de 15 a 20 minutos, numa escola.
“Em cada dia, desenvolvemos uma cena e, no último, fazemos a apresentação para os restantes alunos.”
O Climarte acontece, desde há quatro anos, em parceria com o município e com o Centro de Interpretação Ambiental de Leiria.
Das dez escolas de Leiria envolvidas, duas apresentaram o espectáculo no palco do Teatro Miguel Franco, na sexta-feira, dia 8 de Abril.