“Agora vou passear que está um dia fabuloso”. Terminava assim uma das últimas publicações que João Vasconcelos fez domingo no seu facebook, a propósito do uso das redes sociais. Era domingo e estava de facto um dia fabuloso.
Morreu esta segunda-feira à noite, aos 43 anos, vítima de ataque cardíaco. Foi sepultado ontem em Gafanhão, Castro Daire, região de onde a família era natural.
Choque e consternação envolveram a notícia da sua morte. António Costa apontou a “tristeza” pela sua perda e a “saudade” que deixará.
“A melhor forma de homenagearmos a memória do João Vasconcelos é encararmos o futuro e os desafios que temos pela frente com o mesmo entusiasmo que muitos de nós lhe puderam testemunhar ao longo da vida”, disse o primeiro-ministro na terça-feira, numa cerimónia que decorreu no laboratório nacional de energia e geologia.
Apontado por muitos como o rosto da indústria 4.0, em que a digitalização e as novas tecnologias são ponto forte, o ex-secretário de Estado da Indústria lembrava naquela publicação no facebook que “quanto mais tempo passamos online mais valorizamos tudo o que é offline, a natureza, as emoções, a arte, a cultura, a manufactura, tudo o que nos transmite sentimento”. Sugeria ainda que o digital fosse aproveitado como ferramenta para valorizar o analógico.
“Vai ser sempre o embaixador da inovação empresarial e do Politécnico de Leiria”, aponta Rui Pedrosa, que com ele devia apresentar um livro no próximo dia 3. A sua morte “é uma perda irreparável”, diz o presidente do instituto.
Em comunicado, o IPLeiria assinala “publicamente o contributo relevante de João Vasconcelos para a região e para o nosso país, tendo sido o rosto do empreendedorismo em Portugal”. “Perdemos uma voz importante, que falava de Leiria lá fora”, refere por sua vez António Poças, presidente da Nerlei e seu amigo há várias décadas.
“Era um homem com uma visão para o futuro e o grande impulsionador da indústria 4.0”, diz António Sales, presidente da Federação Distrital de Leiria do PS, partido de que Vasconcelos era militante. “É uma grande perda para o presente e para o futuro do país e uma grande perda para a região”, disse à Lusa.
João Vasconcelos será sempre lembrado como o 'pai' da Web Summit, pelo importante contributo que deu para que este evento viesse para Portugal.
Lembrando a sua “grande influência” também em vários outros sectores da economia, Marcelo Rebelo de Sousa lamentou a sua “perda súbita” e disse que “a melhor forma de o homenagearmos é darmos visibilidade aos exemplos de êxito empresarial”.
“Parte cedo de mais, quando ainda tinha muito para dar ao país. Deixa admiração pelo seu trabalho e saudade entre todos os que tiveram o privilégio de com ele trabalhar”, disse Pedro Siza Vieira, ministro Adjunto e da Economia, apontando o “dinamismo que imprimiu à actividade governativa [quando foi secretário de Estado] e o contributo decisivo que deu ao empreendedorismo e inovação na nossa economia”.
“Grangeou o respeito e simpatia de empresários e de todos os que com ele contactaram”.
Na nossa região, muitos foram os que logo manifestaram pesar e consternação pela sua morte e se associaram à dor sentida pela família. A Câmara de Leiria foi uma delas.
Em comunicado manifestou o seu “profundo pesar” e lembrou a “forte ligação” que o ex-secretário de Estado sempre manteve a Leiria, “envolvendo-se na promoção do desenvolvimento local, em especial na área das novas tecnologias e do empreendedorismo”.
[LER_MAIS] Também a CIP, de que Vasconcelos era “membro activo e excepcionalmente participativo”, lamenta o seu “trágico desaparecimento”, lembrando o “homem de visão e de fina inteligência estratégica”, a quem a economia portuguesa muito “fica a dever”.
E o presidente da AIP, José Eduardo Carvalho, frisa o “excelente trabalho” enquanto secretário de Estado da Indústria e o seu papel enquanto “dinamizador de empresas na área das novas tecnologias e no apoio à definição da estratégia nacional para o empreendedorismo”.
Entre a política e o activismo social
Natural de Leiria, João Vasconcelos dedicou a sua vida ao empreendedorismo jovem. Durante mais de 20 anos esteve ligado à Associação Nacional de Jovens Empresários, da qual foi presidente. Aos 18 anos assumiu o primeiro cargo de administração de uma empresa.
Entre 2005 e 2011 foi assessor para Assuntos Regionais e Economia no gabinete do primeiro-ministro José Sócrates. Nesse mesmo ano aceitou o desafio que lhe foi lançado por António Costa, então presidente da Câmara de Lisboa, para criar a Start-Up Lisboa, da qual viria a ser director executivo até 2015, ano em que a assumiu o cargo de secretário de Estado da Indústria (cargo de que viria a demitir-se em 2017, depois de ser constituído arguido pelo Ministério Público no processo que investigava a oferta de viagens a jogos do Euro 2016, que acabou por ser arquivado).
Mas o seu percurso foi feito também de activismo social. Antes de ir para o governo, mobilizou a rede de amigos para a Aylan Kurdi Caravan, que levou donativos aos refugiados que em 2015 tentavam entrar na Europa. Actualmente era o dinamizador de uma campanha para livrar a costa portuguesa de plástico e valorizar este resíduo.
“Sinto-me feliz e útil com esta iniciativa, onde conto com a participação de empresários da área dos plásticos da região de Leiria e Marinha Grande”, confidenciou ao JORNAL DE LEIRIA em Novembro do ano passado, durante uma acção de limpeza dinamizada pela Brigada do Mar, de que foi um dos fundadores.