Carteiras, tábuas de lousa, “chapéus de burro”, régua para castigos corporais, crucifixo na parede…
No Museu Escolar dos Marrazes (Leiria), a reconstituição de uma sala de aula dos anos 40, em pleno Estado Novo, é a divisão que mais curiosidade desperta aos mais novos. Preservando um pedaço da História que, para muitos, ainda é memória recente, este espaço, a celebrar um quarto de século de actividade este ano, documenta a evolução que o sistema educativo português deu no curto espaço de tempo que medeia o 25 de Abril e a actualidade.
“O estilo de ensino que temos agora não tem rigorosamente nada que ver com o que está aqui representado”, declara a directora deste museu, lembrando que “os alunos só iam à escola se quisessem” e que frequentar o ensino não estava ao alcance de muitos, “especialmente das raparigas”.
Graça Sampaio recorda o facto de o ensino ser separado por sexos, com os edifícios a serem, muitas vezes, divididos literalmente por um muro – de um lado, os rapazes, do outro, as raparigas. “Agora todos vão à escola e têm a possibilidade de aprender”, sublinha a antiga professora, destacando a “diferença abissal” do sistema de ensino antes e depois da revolução de Abril.
De facto, para a responsável, o “modelo de ensino do Marquês de Pombal”, com o “professor mais ou menos expositor” e a sala de aula com púlpito, são as duas semelhanças entre o sistema de ensino actual e o de há meio século.
As fotografias dos chefes de Estado e de Governo – Óscar Carmona e António de Oliveira Salazar-, expostas na parede, também provocam surpresa aos mais novos. “Imaginem, na vossa sala de aula, uma fotografia do ‘professor Marcelo e de António Costa’”, costuma lançar, em desafio, a directora-técnica Rita Brites, aos mais novos.
A responsável lembra, contudo, que alguns dos itens aqui apresentados ainda se preservaram, em algumas zonas do País, até muito tarde. “Para quem vivia no campo e quem vivia nas cidades, a escola era muito diferente”, lembra, salientando que há pessoas bastante novas – na faixa etária dos 40 – que se sentaram em escolas, que ainda tinham crucifixos nas paredes.
História que se faz todos os dias
Nas outras salas, podemos presenciar outros artefactos de um passado não tão distante, sejam as máquinas de escrever com teclado AZERTY ou HCESAR, os uniformes da Mocidade Portuguesa ou os mapas das províncias ultramarinas. Contudo, o museu escolar não se prende apenas aos anos do Estado Novo.
O objectivo, conta Rita Brites, é retratar “a história da educação da Primeira República, do Estado Novo, do pós-25 de Abril” até a actualidade. A directora-técnica refere o computador Magalhães, lançado à década e meia, como um recente membro de uma “colecção que está sempre a crescer”. “Foi uma tecnologia que marcou aquele período, mas, em 2022, já está ultrapassada”, recorda, ilustrando a rapidez com que se faz a História.
É com esse ideal de constante adaptação em mente que o museu iniciará a celebração dos seus 25 anos, na fonte luminosa, às 15 horas do dia 15 de Maio, com a primeira exibição do seu mais recente projecto, uma exposição itinerante sobre a escola durante a Covid-19.
Para captar o ensino em plena pandemia, o fotojornalista Nuno André Ferreira visitou escolas dos 26 municípios da Rede Cultura 2027, por onde agora viajará a mostra.
Um museu “atrás de tudo”
No seu 25.º aniversário, os desejos para o futuro deste espaço expositivo parecem consensuais: novas instalações. “O espaço físico condiciona-nos”, constata Rita Brites. Embora o museu enriqueça as exposições com novas peças e tenha o hábito de inaugurar duas exposições temporárias por ano, não há maneira de contornar o facto de estar “atrás de tudo”, como descreve Graça Sampaio.
“Há muita gente dos Marrazes que não sabe que ele existe”, afirma a directora, que espera que a construção do novo centro escolar permita a transferência para os edifícios que serão abandonados, com as próprias instalações a servirem de peça de museu. Considerando que se trata de “um museu de poderio nacional”, concluiu que “o ideal era que estivesse em Leiria”.
2.700 visitas anuais
O desabafo que se tornou museu
Aberto a 16 de Maio de 1997, a história do Museu Escolar dos Marrazes remonta ao ano lectivo de 1992/93. Após 32 anos a leccionar e prestes a reformar-se, a professora Maria do Céu Cunha precisava de uma solução para o acervo que coleccionara durante os anos. E foi assim que “um desabafo entre colegas” rapidamente se transformou num projecto para um museu focado na história do ensino.
O único membro da Rede Portuguesa de Museus a ser gerido por uma junta de freguesia, dinamiza a acção o “Museu Vai à Escola”, levando algumas das suas atracções aos estabelecimentos de ensino da zona e, antes da pandemia era visitado por cerca de 2.700 alunos anualmente.