A memória já lhe vai faltando, mas os acordes que a musicoterapeuta Inês Ferreira desfia à guitarra avivam-lhe as recordações de outros tempos, com cantigas que tantas vezes entoou enquanto trabalhava no campo. Diagnosticada há seis meses com Alzheimer “moderado”, Rosário Laíns, de 82 anos, é um dos 44 beneficiários do EMMILEA, o novo projecto da Misericórdia de Fátima-Ourém que leva apoio terapêutico, psicológico e social a casa dos utentes, com o objectivo de adiar a institucionalização de pessoas acamadas e/ou com demência.
Rosário Laíns entrou no projecto por iniciativa de uma das cuidadoras, a filha Zulmira, que teve conhecimento do EMMILEA, através da internet. Propôs aos irmãos, que “prontamente” concordaram, e à mãe, que, num primeiro momento, se mostrou “muito reticente”. “Agora, adora”, conta a cuidadora, assumindo que o contacto da mãe “com outras pessoas, que a estimulam de uma maneira que a família não consegue, está a fazer-lhe muito bem”.
De sorriso aberto, Rosário Laíns vai acompanhando com a voz os sons da guitarra tocada pela musicoterapeuta, sempre com a preocupação de ir às memórias da utente. “Cantava muito. Agora, já me esqueci de muita coisa”, reconhece a idosa.
Apoiado pelo Portugal Inovação Social, o EMMILEA – Equipa Móvel Multidisciplinar de Intervenção Local Especializada e Auto-ajuda, conta com cinco técnicas. Além da musicoterapeuta, a equipa integra uma técnica de serviço social (Carolina Reis), uma psicóloga (Preciosa Santos), uma fisioterapeuta (Jéssica Reis) e uma terapeuta ocupacional (Joana Jorge) e é coordenada pela directora-técnica da Misericórdia, Diana Silva.
Depois de uma primeira avaliação, a equipa reúne para aferir as necessidades de cada utente e elaborar um plano de desenvolvimento individual, explica Carolina Reis, referindo que “cada pessoa pode beneficiar de uma ou mais terapias, por vezes em simultâneo”.
É esse o caso de José Ribeiro, de 73 anos, também com diagnóstico de Alzheimer, que, além de apoio psicológico, beneficia de sessões de terapia ocupacional, cujo trabalho incide no treino cognitivo. Com recurso a uma plataforma digital, “estimula-se o cálculo mental, a memória, a linguagem, a atenção e as funções executivas”, explica Joana Jorge. “O projecto é óptimo. Encontraram forma de o motivar a ser um pouco mais activo. Antes, passava os dias na cama. Hoje, já faz pequenas caminhadas”, revela a mulher de José, Maria Ribeiro.
Com Jacinta Neves, acamada desde Maio de 2021, a abordagem é outra. “Não fala, não interage nem se mexe, mas reage à música. Dá a sensação que fica mais relaxada e tranquila”, conta a filha, Lúcia Rodrigues, que vai mimando a mãe ao som das músicas cantadas e tocadas por Inês. Noutros dias, a presença das técnicas é aproveitada pela cuidadora e pelo pai, que a ajuda na tarefa de tomar conta da mãe, para descansarem um pouco.
“É uma resposta que faltava. Há poucas soluções para quem se encontra acamado e permanece em casa”, reforça o filho de Maria José Conceição, acamada há seis anos e que, além da musicoterapia, beneficia de fisioterapia. “Gosto muito das massagens da Jéssica. São é poucas”, diz, entre risos, a utente numa pausa nas “cantorias”.
Carolina Reis frisa que a equipa intervém “numa abordagem terapêutica não farmacológica”. O objectivo é proporcionar acesso a recursos que “melhorem a qualidade de vida dos utentes nos seus domicílios, atenuar o isolamento social e reforçar o bem-estar físico, psicológico e emocional” de utentes e cuidadores. A par das sessões de estimulação física e cognitiva, o projecto contempla a distribuição de equipamentos de tele-assistência. Também já está a funcionar um grupo de auto-ajuda para cuidadores. Todos os serviços são gratuitos.