O sector dos componentes automóveis em Portugal pode perder cerca de quatro mil postos de trabalho este ano, quatro vezes mais do que em 2020, avisou o presidente da Associação de Fornecedores da Indústria Automóvel. Em declarações à Lusa, José Couto justificou a situação com a redução de encomendas por parte dos construtores europeus, que se deparam com a “demora” das matérias- -primas “em chegar da Ásia à Europa”, a que se somam outros constrangimentos como despesas crescentes com a energia.
Ouvidos pela JORNAL DE LEIRIA, responsáveis por duas indústrias de componentes automóveis confirmam a intermitência de encomendas por parte dos seus clientes, que têm tido dificuldade em receber matérias-primas, como chips, por exemplo, e referem ainda a subida de custos de produção associados ao aumento do preço da energia. Mas o quadro de despedimentos, asseguram, não se prevê nestas duas empresas.
Gustavo Soares, do departamento comercial da Plastivaloire da Marinha Grande, explica que, com a pandemia e o consequente confinamento, foi grande a quantidade de colaboradores que em todo o mundo passou a operar em regime de teletrabalho. O encerramento das instituições de ensino impôs também a telescola. Esta situação, realça, “levou a uma necessidade adicional de chips” usados nos dispositivos tecnológicos que asseguraram escola e trabalho à distância. A este boom de consumo [LER_MAIS]juntou-se o incêndio de uma grande fabricante de chips na Ásia, que fez restringir a produção deste artigo, realça Gustavo Soares.
“Os nossos clientes têm agora falta de componentes eléctricos e não conseguem prever quando têm de fazer paragens. E nós não nos podemos dar ao luxo de reduzir pessoal e fazer metade da produção, porque não conseguimos prever quando acontecem as paragens ou quando voltam as encomendas. Temos de manter sempre a mão-de-obra, com os custos que lhes estão associados”, expõe.
O ideal, considera Gustavo Soares, seria ter em Portugal um sistema de lay-off simplificado como tem a França, que permitiria às indústrias portuguesas definir rapidamente quem trabalharia e quem ficaria em casa. “Hoje em Portugal o lay-off não é flexível, não é ágil”, observa o responsável, que não fala em destruição de empregos na Plastivaloire da Marinha Grande, mas reconhece que, mês após mês, esta situação “afecta os resultados”.
Pedro Colaço, director-geral da KLC, salienta que, em resultado da pandemia, não só se verifica escassez de matéria-prima, como chips, como também cresceram drasticamente os custos de produção: “o preço do gás triplicou”. E explica que, embora este já seja “um sector muito dinâmico e flexível, porque a indústria automóvel assim o exige”, tem agora de se ajustar ainda mais ao “ritmo das cadeias e aos modelos de negócio” que a Covid-19 alterou. Além de se confrontar também com o novo desígnio da descarbonização.
Neste contexto de constantes alterações, “não sabemos quando podemos ter mais ou menos encomendas” e “temos um quadro legislativo, que não é amigo das empresas”, considera Pedro Colaço.
No que respeita à KLC, a ideia é “manter o quadro de funcionários, mas a tendência será para não efectivar mais pessoas, para melhor nos ajustarmos às solicitações do mercado”, nota o director-geral.
“Podemos ter uma queda de quatro mil trabalhadores. Acreditamos que as empresas vão fazer um esforço para não despedir, mas no estudo que fizemos, numa primeira análise, esse foi o número que nos indicaram”, afirmou o dirigente da AFIA, que pediu medidas ao Governo, nomeadamente a reactivação do lay-off simplificado.
Segundo José Couto, em 2020, a venda de automóveis novos na Europa caiu 23,6% (menos 4,4 milhões de veículos) e em 2021, até Agosto, já se comercializaram menos 24,4%. “Isto tem um efeito enorme sobre a produção de veículos automóveis e o expectável é que em 2021 se vão produzir menos cinco milhões de automóveis. E em 2022 e 2023 não é expectável que se possa recuperar aquilo que foi a produção de 2019”, sublinhou o presidente da AFIA.
Recorde-se que a metalurgia e a metalomecânica têm um peso de quase um terço (32%) dos componentes fabricados no nosso País, logo seguidas das indústrias eléctrica e electrónica (31%), dos plásticos, borrachas e outros materiais compósitos (18%), têxteis e revestimentos (11%) e montagem de sistemas (5%).
Por distritos, as 385 fábricas localizam-se predominantemente no litoral Norte e Centro, sendo que o distrito de Leiria tem 22. Segundo a AFIA, em 2020, o volume de negócios do sector foi de 10,4 mil milhões de euros (cerca de 5,6% do Produto Interno Bruto nacional), menos 12,6% do que no ano anterior.
José Couto referiu que 85% das empresas diminuíram o volume de negócios em 2020, face a 2019, e que 73% delas admite que, em 2021, terá um volume abaixo do registado em 2019.