Depois de um ano de pandemia, com o sector da hotelaria praticamente parado, com parte das unidades à venda e outras a tentar manter o negócio, já em esforço, há fundos estrangeiros a tentar tirar proveito da dificuldade.
Na região de Leiria, somam-se os contactos de investidores internacionais, que estão a aliciar os empresários a vender os seus hotéis para serem convertidos em habitação. Nalguns casos, a recusa é peremptória. Mas noutros, se a Covid-19 não deixar alternativa, a venda aos fundos será uma possibilidade.
O Hotel Mar & Sol, situado na praia de São Pedro de Moel, na Marinha Grande, já tinha sido contactado há cerca de dois anos por um fundo de pensões suíço, interessado em comprar a unidade para a converter numa residência para idosos. No entanto, há cerca de dois meses, conhecedor das dificuldades que o sector hoteleiro está a viver em Portugal, o mesmo fundo voltou a contactar este hotel, mas desta vez de forma mais persistente, expõe Bruno Ferreira, director do Mar & Sol.
O responsável pela unidade frisa que não gostaria de vender este quatro estrelas, que é um ícone de São Pedro de Moel, com uma história de mais de cinco décadas. E a preocupação, expõe, tem sido manter os 23 postos de trabalho. “Temos de esgotar todos os esforços”, defende o director, esperançoso de que o próximo ano seja de retoma. No entanto, reconhece, o encerramento do complexo de piscinas oceânicas de São Pedro de Moel foi um duro golpe para todos os negócios desta praia.
E agora, se a pandemia não der tréguas e as quebras se mantiverem, vender pode ser mesmo uma possibilidade. Aliás, Bruno Ferreira ainda não deu resposta final ao fundo suíço em nenhum dos sentidos. No caso dos hotéis mais recentes, que fizeram grandes investimentos e ainda têm grandes dívidas na banca, protelar a venda a fundos deste género deve ser ainda mais difícil, admite o director.
Serafim Silva, administrador do Grupo Miramar, da Nazaré, também recebeu uma proposta idêntica. A aproximação [LER_MAIS]aconteceu em Maio do ano passado por parte de um grupo de empresas italiano, interessado em comprar o hotel para o converter em habitações. Mas neste caso, conta Serafim Silva, o não foi peremptório.
“Nós não estamos disponíveis para vender, seja pelo preço que for”, realça o empresário, que afirma ter sido aliciado com “o dobro do valor patrimonial” da unidade. “A vida não é só dinheiro. A minha vida é a minha relação com o hotel e com os colaboradores”, considera o empresário, lembrando que uma venda destas implica “100% de despedimentos”.
“Este é um problema muito duro e, infelizmente, não vejo o Governo atento. Quando der por isso, deixámos ir tudo aquilo que construímos no turismo”, alerta o administrador. No seu ponto de vista, esta pode ser uma estratégia dos investidores estrangeiros, que aproveitam uma fase difícil da hotelaria em Portugal, para conseguir adquirir as unidades.
“Dizem agora que as convertem em residências mas, mal o turismo retome, voltam a abri-las como hotéis”, teme Serafim Silva.
A grande investida dos fundos internacionais tem acontecido também em Fátima, onde, com a suspensão das visitas dos peregrinos, os hotéis estão a atravessar dificuldades e, nalguns casos, já foram colocados à venda.
Paulo Silva, responsável pelo Hotel Aleluia, conta que a sua unidade não está à venda. Ainda assim, já foi contactado por um fundo espanhol, interessado em comprar este três estrelas, de 60 quartos, e transformá-lo num conjunto de apartamentos.
“Apresentam valores muito baixos, querem pechinchas. E nós estamos a ver como é que o mercado reage e se volta a subir”, expõe Paulo Silva, que declinou a oferta. Contudo, sabe que este investidor abordou mais hoteleiros em Fátima.
Perder a proximidade e padronizar produtos
Purificação Reis, presidente de Direcção da Associação Empresarial Ourém-Fátima, explica que, já antes da pandemia, tinha ocorrido “um ou outro contacto” no sentido de comprar hotéis para os transformar em habitações. Presentemente, sabendo os investidores que “o mercado está mais vulnerável”, é possível que este fenómeno se tenha adensado, admite a presidente.
“Sou apologista da manutenção de capitais nacionais na dinamização do tecido económico nacional e local. Havendo condições para permanecerem os capitais nacionais, gera-se maior valor acrescentado”, defende Purificação Reis, frisando que, neste ramo de actividade, em Fátima, “há cultura de proximidade e de atendimento familiar, que são valorizados pelo público”.
“Quando entram capitais internacionais, há padronização de produtos e perde-se essa proximidade”, evidencia a presidente da associação.
No entanto, reconhece Purificação Reis, num contexto de crise como aquele que hoje vivemos, “é preferível dinamizar a economia mesmo que com capitais estrangeiros do que estar parado”.
Alexandre Marto, hoteleiro em Fátima e membro do Conselho Geral da Associação de Hotelaria de Portugal, diz que não foi contactado, mas sabe que muitos empresários do concelho de Ourém já foram abordados e assumem a venda como uma possibilidade. Desconhece, contudo, se já terão sido fechados negócios nesse sentido.
“É natural que numa crise se procurem soluções de rentabilidade”, nota o empresário, admitindo que esta possa ser “uma solução para determinado tipo de unidades”. No entanto, repara, “a conversão pode não ser tão óbvia como parece”, porque dotar os hotéis de valências necessárias para habitação ou residência assistida pode levar tempo.
Natural de Leiria e administrador do Hotel Lis, na Baixa de Lisboa, José Frazão confirma que, na capital, já se assiste à conversão de alguns hostels, de 15 a 30 quartos, transformados em espaços de habitação, bem como apartamentos, que eram arrendados por pequenos períodos, a turistas, mas que nesta fase estão a ser utilizados em arrendamentos de longa duração, para famílias.
Em Lisboa existe muita oferta, alguma dela poderá estar menos bem localizada e, por outro lado, o valor do metro quadrado da habitação está, em Lisboa, próximo do valor do metro quadrado do de uma unidade hoteleira. Esse fenómeno não acontece na região de Leiria, pelo que, acredita José Frazão, será mais difícil para um empresário deste território, tendo um hotel bem localizado, vendê- lo para ser transformado em residências.
No Jornal de Negócios, Duarte Morais Santos, director da área de hotelaria na consultora CBRE, também considerou que é sobretudo nas regiões de Lisboa, Porto, Algarve e Alentejo que estas operações têm lugar. Quanto aos investidores, são maioritariamente “dos EUA, Reino Unido e Espanha, com os fundos de private equity a representarem uma boa parte das entidades activas”.
Restaurantes e escritórios adaptados
Diferentes agentes imobiliários que trabalham na região de Leiria confirmam que, devido à crise, se sente a vontade do mercado em transformar todo o género de espaços de negócio em habitação. Eduardo Carrasqueira, da Remax, explica que há proprietários de pensões e hostels a tentar vender os espaços, reforçando a possibilidade de estes poderem ser utilizados como habitação. O agente imobiliário diz que isso também se aplica a antigos espaços de restauração.
Já Rui Cardeira, da Century 21 – Cardeira e Costa, verifica que, não havendo turismo, os imóveis antes destinados a arrendamento de curta duração estão a orientar-se para o arrendamento de longa duração, com contratos anuais.
Começa também a verificar-se a colocação de escritórios e de lojas no mercado, com o objectivo de serem comprados e usados como habitação, expõe. “Na Grande Lisboa, os municípios estão atentos e estão a agilizar os processos de licenciamento. A nossa região deveria seguir esse exemplo, dado que existem vários escritórios vazios”, defende Rui Cardeira.