O presidente do Conselho de Administração (CA) do Centro Hospitalar de Leiria (CHL), Helder Roque, demitiu-se do cargo “em protesto” contra a falta de recursos há muito prometidos pelo Ministério da Saúde.
A saída foi anunciada ontem através de um comunicado enviado a todos os colaboradores, depois de já ter oficializado a sua decisão à ministra da Saúde, Marta Temido, no dia 28 de Fevereiro.
Contactado pelo JORNAL DE LEIRIA, o administrador não quis comentar a sua decisão, no entanto, através do comunicado enviado aos colaboradores do CHL, é possível perceber o seu descontentamento quanto à falta de apoio do Ministério da Saúde.
“A tutela não foi parca em elogios ao trabalho que a nossa instituição desenvolveu. (…) Mas foi parca em meios. Não há condições para colmatar as necessidades mínimas em pessoal, não há meios para investimento. As medidas de contenção acabam por só permitir a libertação de meios para que os mais gastadores paguem as suas dívidas”, escreve Helder Roque no seu comunicado, onde afirma não ter dúvidas que a sua saída, “enquanto protesto”, é o melhor contributo que pode dar para “reforçar a a dimensão do CHL como instituição de referência regional”.
Bilhota Xavier, director do Serviço de Pediatria, garante: “hoje é um dia negro para o CHL e para o SNS”. “Nos cerca de 14 anos em que Helder Roque presidiu ao CA, o CHL teve mudanças estruturais que o melhoraram em termos funcionais e de qualidade que qualquer um outro não teria conseguido fazer. Hoje, o CHL nada tem a ver com o passado”, acrescenta.
O pediatra aponta o dedo à Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, cujo presidente referiu que “o hospital está numa calamidade, sem segurança, o que são inverdades e uma total irresponsabilidade”.
“Sinto-me envergonhado, humilhado e ofendido pelas declarações do presidente da Secção Regional da Ordem dos Médicos do Centro, que, na televisão, disse que o CHL bateu no fundo.”
“Não é de surpreender que Helder Roque tenha apresentado a demissão, até porque quando aumentou a área de influência a tutela assumiu compromissos, que nunca se vieram a concretizar. O hospital não tem autoautorização para contratar médicos ou enfermeiros”, sublinha.
Ao afirmar que este “é um problema político e uma situação que afecta todo o País”, Bilhota Xavier espera que “a ministra não aceite a demissão e assuma os compromissos combinados quando a área de influência aumentou”.
Já Cláudio Laureano, director do serviço de Psiquiatria, refere o “desânimo” com que recebeu a notícia. “As dificuldades são muitas e não estão esbatidas, mas conheci o hospital de Leiria antes da entrada de Helder Roque e a transformação é colossal”, afirma, [LER_MAIS] não escondendo o receio que “esta saída possa trazer algum retrocesso na evolução do hospital”.
“Há um hospital antes de Helder Roque e outro depois. Julgo que as dificuldades sentidas aqui estão a ser sentidas um pouco por todo o lado”, reforça.
Também João Morais, director do Serviço de Cardiologia, corrobora a importância de Helder Roque à frente do CHL: “construiu uma grande organização, com a equipa que formou. Ninguém imaginaria que 14 anos depois estivéssemos onde estamos. Constituiu toda uma equipa e soube aceitar os desafios que lhe apareceram e levá-los a bom porto”.
Referindo que “todas as administrações têm ciclos e ninguém é eterno”, João Morais diz que o que mais o incomoda é Helder Roque sair porque “reconhece que não tem condições para continuar a garantir a qualidade ao CHL”.
“Sair porque não lhe foram dadas as condições que sabemos que deveriam ter sido dadas é negativo. Esta mudança vai ser um rude golpe. Vamos sentir-nos um pouco órfãos. Foram feitas promessas e nada aconteceu. É muito triste que a missão do CHL vá ser interrompida por falta de condições”, frisa.
O presidente da Câmara de Leiria, Raul Castro, também aponta a falta de recursos como a razão para a decisão de Helder Roque: “O CHL passou a ter mais utentes de outros concelhos e não nos foram dados os recursos humanos necessários. Vou ter uma reunião hoje [ontem] com a ministra da Saúde. Queremos saber as decisões que estão a pensar tomar e se vão fazer o que precisa de ser feito”.
O autarca acrescenta que esta “é uma situação preocupante”. “Esperamos que possa haver uma decisão que ajude a mitigar as situações que têm acontecido e têm sido descritas por vários utentes do CHL”.
Na sua opinião, Helder Roque é um bom líder, “mas só se pode ser bom líder se houver os meios e os recursos para dar a resposta às necessidades dos doentes”.
Por isso, defende, “se calhar, é o momento de darem autonomia financeira aos hospitais, para reforçar o centro hospitalar com mais médicos, mais enfermeiros e mais técnicos”.
Na liderança desde 2005 Helder Roque assumiu a presidência do CA do Hospital Santo André em meados de 2005.
Ao longo destes 14 anos juntaram-se-lhe os hospitais de Pombal e de Alcobaça, além de ter alargado a sua zona de influência ao concelho de Ourém, formando o Centro Hospitalar de Leiria. Segundo foi possível apurar, uma das razões que terá levado à sua demissão, prende-se com esse crescimento de influência sem os respectivos meios necessários, apesar das promessas de diferentes governos.
Fonte próxima da administração refere que os problemas agravaram- -se com a inclusão de Ourém no CHL: “Leiria teve que assumir o concelho de Ourém, zona com vários lares de onde chegam idosos com condições de saúde muito complicadas, sem que tivesse visto o seu corpo clínico reforçado, apesar das promessas”.
Segundo a mesma fonte, essa população contribuiu fortemente para complicar o serviço de Urgências, mas também levou à ocupação de camas por períodos mais prolongados.
Outra das principais razões de descontentamento de Hélder Roque foram as diversas alterações que foi obrigado a efectuar no Plano de Actividades e Orçamento para 2019, apesar de o CHL estar incluído no projecto de autonomia dos hospitais, por apresentar bons resultados.
“As diversas revisões desvirtuaram o plano, com cortes significativos nos recursos humanos a contratar – e tão necessários-, assim como nas verbas disponíveis para investimento, muito aquém das necessidades”, refere outra fonte que não quis ser identificada.