Era para ser Natal de Pernas para o Ar, mas acabou por ser Natal Ao Contrário e reflecte o ambiente estranho que envolve a quadra natalícia neste ano de 2020.
Há quem estranhe o facto de os seguidores deste movimento, que já tem mais de 1500 adeptos na sua página de Facebook e muitos mais no Instagram e TicToc, montarem as suas árvores de Natal com as raízes no tecto e copa no chão, mas tudo tem a sua lógica e mensagem.
O #natalaocontrario é uma ideia saída da cabeça de Marco Moreira, arquitecto e designer de moda natural da Nazaré, precisamente para despertar nas pessoas um alerta para a grande mensagem natalícia deste 2020: este ano, tudo é e tem de ser diferente.
“Nunca tive uma árvore de Natal artificial. Quando era miúdo, havia pinheiros lá em casa, mas, em adulto, comecei a criá-las com sacos de plástico e até com um manequim”, conta o designer de 44 anos, detentor da marca de moda Mbut e que chegou a criar modelos exclusivos de alta costura para Aurea e Cláudia Vieira.
Este ano, porém, sentia-se sem qualquer ânimo ou inspiração. A pandemia e o clima geral, marcados pela ansiedade e pela dureza dos eventos, pareciam ter-lhe tirado a veia criativa.
Capitulou e adquiriu uma árvore de Natal de plástico no supermercado.
No entanto, quando a estava a montar, lembrou- se de modificar as bolas e transformou-as nas conhecidas representações do coronavírus SARS-CoV-2 e depois prendeu a árvore ao tecto.
Passou uma semana a criar uma narrativa a partir da Covid-19.
As bolas avermelhadas, com um elemento a sair, são os coronavírus”, explica.
Mas faltava algo mais. Além das “coronaballs”, faltava a alusão ao resto da história e da esperança de se voltar à vida onde as festas de famílias, as carícias e os abraços são permitidos e onde não há “distanciamentos sociais” ou “físicos”.
Marco investigou o assunto um pouco mais e procurou representações do coronavírus neutralizado pela vacina (qualquer uma). Percebeu que a cor utilizada nas publicações era o azul.
Veio-lhe à mente a ideia de juntar seringas, viradas para cima e de cor “neutralizante” e, assim, passaram a ser as velas com que, antigamente, se iluminava o pinheiro. Por fim, as bolas prateadas, que representam o vírus eliminado.
Quando terminou, resolveu partilhar o resultado no Facebook, em @NatalaoContrario, e no Instagram, na sua conta pessoal. Pretendia revestir a ideia com um objectivo solidário e angariar bens alimentares e de primeira necessidade para oferecer a Juntas de Freguesia e IPSS.
A tarefa acabou por ser mais complexa do que à partida parecia e acabou por adiar, para já, o intento.
Mesmo assim, o burburinho à volta do conceito do #natalaocontrario foi tal, que vários amigos juntaram-se à ideia. Uns adoptaram a decoração e a árvore presa no tecto, outros fizeram a sua própria interpretação do conceito, que Marco se apressa a partilhar na página do Facebook.
Entretanto a iniciativa chegou mesmo à imprensa e à televisão.
“Fiz um vídeo em timelapse com todo o trabalho de elaboração da narrativa do Natal ao Contrário e coloquei-o também no TicToc. Foi a primeira vez que usei aquela rede social. A mãe de um amigo, que já tem uma certa idade, ligou-me a meio de uma reunião, após ter visto o filme no Facebook, para me dizer que eu tinha de o publicar no TicToc!”
E assim foi. Até agora, o timelapse de Marco Moreira já foi visto cerca de 55 mil vezes.
O espírito de Natal lá de casa
Para Marco Moreira, a vontade de transformar a quadra em algo mais pessoal está ligada à infância e juventude na Nazaré.
“A minha mãe, costureira, trabalhava sempre no Natal, a fazer as roupas novas para as pessoas da vila usarem naquele dia. Chegava a costurar mais de 200 peças e, para ela, era das épocas com maior volume de trabalho. Não sobrava tempo para mais nada. Por isso, eu era o espírito de Natal lá de casa. Fazia sempre algo que me fizesse viver uma sensação natalícia.”
A primeira interpretação que fez da festa da família foi um presépio, há 25 anos. Construiu-o em arame a que deu formas helicoidais. “Para mim, o Natal é fazer e construir. Não é abrir uma caixa e tirar coisas para decorar”, diz, sublinhando que esse sentimento tornou-se mais reforçado quando, aos 17 anos, apareceram os sobrinhos e sobrinhas.
Qual é a prenda que o arquitecto desejaria neste Natal, para se concretizar em 2021? “Não me importaria de não ter árvore de Natal, no ano que vem, se me dissessem que tudo isto passaria e voltássemos ao normal.
Seria algo a que chamaria ‘Natal Invisível’, sinal de que teríamos incorporado o sentido natalício, sem necessidade de o mostrar exteriormente.”