Quando a editora Hora de Ler anunciou esta antologia como ‘o primeiro livro da autoria de Afonso Lopes Vieira editado em Leiria’, pensei tratar-se de um preciosismo do mercado livreiro. Depois de ler a Introdução do editor Carlos Fernandes [CF] ao livro (pp. 9-10) percebi o rigor das palavras, embora a seleção dos textos literários – feita postumamente por outro que não o autor – nunca possa ser estritamente catalogada de ‘livro da autoria de x’…
Como bem reconhece CF, em 2016, os Cadernos de Estudos Leirienses, n.º 7, compilaram as comunicações do Colóquio A Glória do Esquecimento. 70 anos sobre a morte de Afonso Lopes Vieira, e reeditaram o opúsculo Éclogas de Agora (1935), nas pp. 159-194, que, então, tinha sido apenas distribuído aos amigos íntimos pela mão do próprio escritor. Aquando do Colóquio Científico – 400 anos Francisco Rodrigues Lobo, também a ed. Hora de Ler publica o livro de Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia e Noites de Inverno, com prefácio de ALV, que inaugurou o 1º volume da col. ‘Biblioteca Clássicos de Leiria’. Dir-se-á que neste caso foi seguida a 2.ª ed. (1959), da ed. Sá da Costa, mas as palavras prefaciais praticamente não têm alteração em relação à 1.ª ed. (1945), e se a autoria é do clássico, o incentivo para a publicação e o ensaio (um dos primeiros) pertencem a ALV. Isto se não quisermos considerar o volume … um longo ataque de melancolia mansa… Correspondência e autógrafos (1909-1945) de Afonso Lopes Vieira a Artur Lobo de Campos, de 2001, pela edilidade de Leiria, ou as várias transcrições epistolares ou inéditos do escritor que têm mais recentemente aparecido em diversos artigos meus, incluídos quer nos Cadernos de Estudos Leirienses, mas sobretudo nos Anais Leirienses (Nobre, 2017; 2019; 2020; 2021; 2021a; 2022; 2022a; 2023; 2023a; 2024). A escrita epistolar de ALV não se pode separar do critério de literariedade e é fundamental que alguns inéditos sejam publicados para restaurar o imenso espólio do escritor, como aliás o editor CF vai deixando explícito nas várias notas-de-rodapé que acompanham as secções.
Feitas as considerações (académicas…), o objetivo de divulgação de textos ensaísticos ou poéticos dedicados à região matricial do escritor foi muito bem conseguido: a presente antologia permitirá ao público de não-investigadores encontrar textos que iluminam a dimensão de ALV enquanto escritor patrimonial do nosso distrito.
A escolha do texto de ALV, enquanto presidente da Assembleia Geral da “Casa Distrital de Leiria”, de 1940, para iniciar a antologia, foi feliz na medida em que autoriza com as palavras do escritor os poemas selecionados de Onde a terra se acaba e o mar começa, do mesmo ano. De facto, até o título escolhido para esta secção – ‘Poemas da piquena pátria’ – faz o leitor entender a ligação umbilical do escritor nacional à sua província de nascimento e de eleição. Quanto à organização das várias secções, gostaria mais de as ver com uma linha cronológica que permitisse ao leitor acompanhar o trajeto do escritor e sua evolução, ainda quando o critério tivesse sido do mais perto do tempo atual para o mais longínquo. O que me perturba é a oscilação flutuante do barómetro temporal, sem que com isso a compreensão de alguns tópicos se veja mais iluminada. As seções ‘A Senhora do Monte, onde às tardes eu ia’ e ‘Sou outro aqui’, com poemas dos primeiros livros (Para Quê?, 1897 e Náufrago – Versos Lusitanos, 1898), não beneficiaria de uma proximidade com Conto do Natal (1905)? O que me atrai, sobretudo enquanto investigadora especialista, são algumas revelações, como a ‘Oratória Fátima’, com tradução para francês de Guite de Sousa Lopes (1933?).
Com esta antologia, restaura-se a ‘piquena pátria’ de ALV, com textos menos conhecidos do público, no mesmo dia 7 de dezembro 2024 em que abriu restaurada a Casa-Museu Rodrigues Cordeiro | Afonso Lopes Vieira, nas Cortes: um livro e um lugar em boa hora devolvidos à partilha com a comunidade.