A trabalhar há 43 anos no centro histórico de Leiria – primeiro no restaurante O retiro do Abade e agora no Tasca 7, Estrela Albuquerque diz que ainda não perdeu a esperança de “um dia” ver a rua Direita (rua Barão de Viamonte) transformada numa via pedonal, onde as pessoas possam circular “tranquilamente”, sem o risco de “serem apanhadas pelo espelho” de um automóvel.
“A rua Direita sem trânsito ficava um espectáculo”, antevê Estrela Albuquerque, recordando, no entanto, que esta é uma discussão “antiga”, tão antiga quando a sua presença na zona histórica da cidade. “Nunca ninguém teve essa coragem. Andaram sempre com avanços e recuos”, lamenta, referindo, a título de exemplo, o fim da experiência levada a cabo no âmbito do projecto Viva a Rua Direita, com o fecho da artéria ao trânsito durante o fim-de-semana.
A medida entrou em vigor em Setembro de 2020, mas acabou por não ter sequência. O JORNAL DE LEIRIA questionou a câmara em Outubro do ano passado, sobre as razões do fim da medida e sobre o que pensa fazer em relação à circulação automóvel na rua Direita. A resposta chegou quatro meses depois, em três frases: que “o condicionamento do trânsito teve períodos definidos, nomeadamente nos meses de Verão”, que “em 2022 o projecto decorreu entre Julho e Setembro” e “sim, a hipótese [de encerramento definitivo da rua ao trânsito] mantém-se”.
Tal como Estrela Albuquerque, Bruna Canale, proprietária de um cabeleireiro localizado na rua Direita, diz que “não faz sentido” manter a via aberta à circulação automóvel e que a sua pedonalização seria “uma mais-valia” para o comércio, mas também para os moradores e clientes. Esta é, aliás, uma opinião partilhada pelos vários lojistas ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA, um consenso alargado que contrasta com as posições do passado contra o fecho da rua ao trânsito.
“Acredito que, sem carros, havia um maior fluxo de pessoas. O centro histórico é para conhecer calma. O automóvel só atrapalha”, diz Wesley Moura, proprietário de um restaurante, a funcionar há cerca de um ano.
Também Ana Pedro, que trabalha num estabelecimento de cosmética, acredita que a pedonalização seria benéfica para a rua Direita, desde que acompanhada pela criação de um roteiro, que a pusesse “no mapa da visitação” de Leiria, e pela realização de eventos “com peso e medida”. A essas sugestões, Estrela Albuquerque junta uma outra: a criação de um silo automóvel nas imediações, a partir do aproveitamento de algum edifício devoluto e “sem grande interesse” arquitectónico.
Mas não é só entre os lojistas que a pedonalização da rua Direita tem adeptos. Também entre os moradores se pede o encerramento ao trânsito. “Este tipo de vias não são para automóveis. Bem sei que é um pouco utópico, mas as pessoas têm de se mentalizar que não podem levar o carro para todas as quintinhas onde querem passar ou ir”, afirma João Serejo, arquitecto que reside no centro histórico. O morador frisa o “conflito permanente” que há entre o peão e o automóvel, que ele próprio já vivenciou várias vezes, obrigado a “encostar” às cantarias das portas, para “os carros passarem”.
A residir numa via paralela à rua Direita, Fernanda Sobreira, admite que mudou de opinião. No passado opôs-se ao corte de trânsito na zona, mas hoje defende que manter a circulação automóvel no local “não faz qualquer sentido nem traz mais-valias a lojistas ou residentes”. A moradora sublinha que a rua é “apenas usada como escapatória por quem quer fugir ao trânsito da rotunda do sinaleiro”, por vezes, circulando a velocidades “desajustadas” e pondo “em perigo” os peões, que “têm de parar para os carros poderem passar”.
“Já fui encostada contra a parede por um carro. Se há automobilistas que abrandam, outros não têm atenção”, reforça Cristina Antunes, que o JORNAL DE LEIRIA encontrou, esta terça-feira, a circular na rua Direita.
“Imagine-se o que seria a rua Direita transformada numa rua das Flores [Porto], sem carros, onde o peão fosse o agente principal e, com isso, atraindo novos negócios? Sonhar não custa”, remata João Serejo.