No final dos anos 1990, eu era um atento espectador do Dragon Ball. A série animada japonesa era apresentada em episódios diários de vinte minutos – numa época em que a internet era uma ideia vaga, a TV por cabo restrita a alguns meios urbanos, e a escolha de entretenimento era reduzida.
A temática da série Dragon Ball era a luta entre o Bem e o Mal, sendo os combates apresentados para que os espectadores tomassem partido de um dos lados – normalmente, o lado do protagonista. Nos incontáveis episódios, as novidades eram servidas a conta-gotas e era gerado um momento de suspense que permitia ao narrador despedir-se a cada dia dizendo “Não percam o próximo episódio, porque nós… Também não!”
Décadas volvidas, temos milhares de séries de todos os géneros disponíveis a toda a hora. Todos os episódios, imediatamente, sem ter de esperar pelo dia seguinte. Uma variedade que permite descobrir novas coisas, por si só, sem ficar limitado às escolhas dos diretores de programas dos canais generalistas. Já para não falar dos imensos pequenos produtores de conteúdos que encontramos facilmente no Youtube ou nas redes sociais. Temos uma torrente de oferta, que pode saciar a nossa sofreguidão de entretenimento.
E, no entanto, os sucessos de audiência e os motores de conversas de circunstância continuam a ser os conteúdos servidos em doses limitadas: reality shows, futebol, e novelas são acompanhados com atenção por muita gente para tentar perceber quem irá ganhar no final. A incerteza do resultado (quem será o campeão? E o novo Zé Maria?) entusiasmam, permitem escolher lados, e gera emoção – mesmo que fugaz.
Penso que ninguém como os produtores de notícias televisivas tem aproveitado tão bem a emoção gerada pela incerteza. É, atualmente, difícil distinguir um canal de notícias de um canal de séries: temos episódios diários sobre temas diversos, mas que, em comum, têm a possibilidade de tomar lados: futebol, guerra na Ucrânia, guerra no Médio Oriente, eleições americanas e, a novidade da grelha deste ano, orçamento de estado português. Quem perde e quem ganha, é esse o entusiasmo.
Mas, tal como acontecia nos anos 1990 com o do Dragon Ball, a novidade a cada episódio diário é praticamente inexistente. Um jogador que correu mais ou menos, um míssil a mais ou a menos, umas intrigas sobre “diz que disse” a propósito de votar ou deixar de votar. Por tudo isto, quero propor aos pivots de notícias: passem a encerrar os telejornais com “Não percam o próximo episódio, porque nós… Também não!”
Texto escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico de 1990