Na bancada da Academia Desportiva CCMI, em Leiria, os olhos estão todos virados para o relvado. É dia de treino e os pais não querem perder um único movimento dos seus filhos. Com mais ou menos talento, evidente é a felicidade de quem está em campo a fazer o que mais gosta: jogar futebol.
Dirigimo-nos para a zona dos balneários, onde está a equipa sub-17 (juvenis), e lá encontramos Tiago Alves, um dos primeiros atletas da ADCCMI, fundada em 2015. Tinha oito anos quando começou a representar o emblema da Academia. Na altura praticava karaté, mas decidiu trocar, motivado pelo gosto pelo futebol e por uma certa influência do primo.
“Gostava de jogar futebol na escola, nos intervalos. E jogava ainda com o meu primo, que também gostava muito de futebol. Surgiu esta oportunidade de jogar na ADCCMI, e a partir daí, foi sempre a andar”, explica o atleta, hoje com 16 anos.
Ao longo destes oito anos, Tiago vivenciou já uma subida aos nacionais, uma subida à Divisão de Honra e uma presença numa final de taça. “São experiências e momentos que ficam para a vida”, salienta o presidente da ADCCMI, Renato Cruz.
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Tiago assume que não gosta de estar parado e tem outro hobby, na música, que concilia com o futebol e a escola. “Tem sido fácil conciliar. Normalmente, acabo por dar prioridade ao futebol, e à escola, claro. Tenho conseguido ter boas notas, o que me deixa satisfeito.”
Até agora jogou sempre a médio centro, e esta época começou a jogar também a lateral direito. Afirma não ter preferência entre as duas posições, e sobre o futuro, refere que “é sempre muito bom sonhar com fazer do futebol um trabalho. Mas também é sempre muito difícil conseguir esse objectivo. São poucos os que conseguem realmente vingar”, reconhece.
Apesar de não ter ainda certezas sobre a profissão que pretende seguir, quer continuar a jogar futebol, e salienta o espírito no balneário. “Todos gostam de estar aqui e é sempre bom estar com os colegas de equipa. A equipa vai mudando e dá sempre para fazer novas e boas amizades.”
Um dos novos colegas de Tiago Alves é o guarda-redes Tomás Assoreira Caetano, que chegou esta época à ADCCMI, vindo da União de Leiria. “Conhecia muitas pessoas da Academia e pareceu-me um bom projecto para abraçar”, revela o atleta de 16 anos, que começou cedo a dar os primeiros toques na bola.
“Sempre gostei de jogar futebol. Jogo mais pela desportiva, fazer desporto é uma coisa que eu gosto. Gosto de estar em contacto com a equipa, e é mais por isso do que propriamente por jogar competitivamente”, explica Tomás, assegurando que a adaptação ao novo desafio na ADCCMI está a “correr muito bem”.
Acerca do futuro, admite que não tem o sonho de seguir uma carreira profissional no futebol. “Nunca ambicionei. Provavelmente até acabarei por deixar o futebol quando estiver nos juniores, quando for para a universidade. Aí estarei focado noutras coisas, e acabarei por praticar desporto de outra forma”, refere.
A idade de juniores é, precisamente, aquela que o presidente da ADCCMI aponta como a “mais crítica” no que toca ao abandono do futebol. “Começam a sair à noite, não querem estar tão limitados ao fim-de-semana, vão estudar para fora. É a idade em que há mais atletas a decidir deixar o futebol. Não só essa, mas também aquela em que passa a haver competição, aos 13 anos. Nessa altura há atletas que também querem experimentar outras modalidades”, explica Renato Cruz.
Em sentido inverso, acrescenta o responsável, há também jovens que, já com 16 anos, decidem ir para o futebol. “Quer estejam numa modalidade ou noutra, o importante é que pratiquem exercício físico”, salienta.
A ADCCMI, que assinalou recentemente o oitavo aniversário, tem hoje 400 atletas (300 masculinos e 100 femininas), mais 50 que no ano anterior, num total de 18 equipas em todos os escalões de formação do futebol masculino e quatro equipas de futebol feminino, duas delas de futebol 11.
“Ano após ano temos crescido no número de atletas, e segundo a Federação Portuguesa de Futebol, à semelhança do ano passado, somos o clube do distrito com mais atletas na formação”, salienta Renato Cruz.
Segundo o presidente, o percurso é “muito positivo”, no entanto, com “vários desafios”. “Somos dos poucos clubes em Portugal com dupla certificação. Temos também o desafio da gestão das instalações, com os aumentos dos custos energéticos e de manutenção. No espaço de um ano, duplicámos os custos de operação. Temos ainda duas equipas nos campeonatos nacionais, o que nos traz uma dificuldade logística em termos de transportes. Tem sido uma luta quase diária assegurarmos transporte para os jogos fora.”
A ADCCMI enfrenta ainda o desafio da “falta de infra-estruturas”, já que no dia-a-dia tem “os campos completamente lotados”. “Estamos asfixiados. Neste momento não conseguimos crescer muito mais. Além de que também há falta de treinadores”, aponta Renato Cruz.
Leiria cria talentos no futebol feminino
Na história da ADCCMI fica Sofia Barreiro, a primeira rapariga a inscrever-se na Academia. O gosto pelo futebol começou “muito cedo” e da infância recorda-se dos intervalos na escola a dar toques com os rapazes.
Durante quatro anos jogou em equipas mistas, até ser criada uma equipa feminina de formação, que segundo o presidente da ADCCMI, foi a primeira do distrito de Leiria. Apesar de nunca ter sentido qualquer discriminação quando jogava com os rapazes, afirma ter ficado “bastante entusiasmada” quando começaram a aparecer outras raparigas.
É, aliás, com “muita satisfação” que a avançada de 16 anos vê o crescimento do futebol feminino em Portugal e no distrito de Leiria. “Quando comecei nem sequer se ouvia falar do futebol feminino. Acredito que continuará a crescer cada vez mais”, salienta Sofia, cuja referência no mundo do futebol é Kika Nazareth.
O mundo do futebol é, também para Ana Machado, uma “grande paixão”. A nazarena de 15 anos, que começou a praticar futsal há 10 anos, trocou os pavilhões pelos relvados há cinco. Jogou sempre em equipas mistas, até chegar à ADCCMI na época 2022/2023. “É muito importante termos a oportunidade de jogar em equipas femininas. Temos o factor balneário, em que estamos mais à vontade e ficamos sempre juntas antes ou após os jogos para conversarmos. É diferente.”
Regressada aos treinos para a época 2023/2024, no início de Setembro, Ana Machado recebeu a notícia da convocatória para a selecção nacional sub-16. “Este último ano tem sido mais do que o que esperava do ponto de vista pessoal e do grupo. Além de na época passada a equipa ter tido melhores resultados que o previsto, não esperava ser chamada à selecção. Fiquei bastante feliz”, afirma a atleta, que joga na linha defensiva e no meio campo, adiantando ter encontrado na selecção “um ambiente muito bom”.
Num olhar para os próximos anos, Ana Machado refere que o futebol “continuará a assumir um importante papel”, já que o objectivo da nazarena é criar uma carreira profissional nesta modalidade. “Se não conseguir, quero manter-me no futebol, e ter uma profissão relacionada com o desporto. Se conseguir ter uma carreira ao mais alto nível no futebol, pretendo na mesma tirar um curso superior, para após terminar a carreira, poder continuar a trabalhar na área, como treinadora, por exemplo”, refere.
AD Pedro Roma destaca crescimento do número de atletas
É em Pombal que encontramos a Associação Desportiva Pedro Roma, que desde a pandemia, regista anualmente um crescimento na ordem dos 30% no número de atletas. A “qualidade na formação” é, segundo o director-geral Nuno Pereira, o ingrediente-chave para o crescimento da associação, que tem actualmente 285 atletas, distribuídos por 17 equipas, entre bambis e juvenis. Apesar de não ter equipas femininas, conta com equipas mistas em futebol 5 e futebol 7.
Fundada em 2005, sob o lema ‘formar para crescer, crescer para vencer’, a AD Pedro Roma tem assistido a um “desenvolvimento muito positivo”, contando hoje com 80 pessoas na sua estrutura, incluindo treinadores e team managers.
“O nosso maior feito nos últimos anos é o crescimento do número de atletas e o facto de os pais nos escolherem como o clube que querem para a formação desportiva dos filhos”, salienta Nuno Pereira, adiantando que, enquanto estrutura e clube de formação, o objectivo da AD Pedro Roma é “trabalhar para que os atletas cheguem ao futebol profissional”, ainda que com a noção que “nem todos chegam lá”.
“O foco são os atletas e a sua formação. Preocupamo-nos com quem escolhemos para treinador, e temos um consultor que analisa o próprio trabalho dos treinadores. Temos também psicólogos que acompanham os miúdos, e procuramos sensibilizá-los para a importância dos bons resultados na escola”, destaca Nuno Pereira, acrescentando que “o sucesso escolar dos atletas ronda os 95%”.
Questionado sobre as ambições dos atletas, e se chegam à associação com o sonho de serem o próximo Ronaldo, o director-geral salienta que “antes de tudo, querem praticar desporto e divertirem-se”. “Já se falarmos sobre os pais, sim, chegam com vontade de verem os seus filhos serem o próximo Ronaldo. A muitos deles só lhes falta entrarem em campo e jogarem pelos filhos”, refere Nuno Pereira.
O comportamento dos pais é uma preocupação comum à maioria das academias, e na ADCCMI assistem-se também a situações que “demonstram que alguns pais estão fora do contexto do que deve ser a formação”. “Colocam uma enorme pressão nos filhos, nos treinadores. Já chegou, inclusive, a haver problemas com os números das camisolas, porque há pais que pretendem que os filhos tenham a camisola 10. Os miúdos nem querem saber qual o número da camisola, mas os pais fazem essa pressão”, revela o presidente Renato Cruz, mantendo a “esperança numa mudança de mentalidades”. “Acima de tudo, o importante deve ser a felicidade dos miúdos e a sua formação desportiva, escolar e de carácter.”