No fim de Outubro, Filipe Tomás completa 78 anos, mas quem olha para ele dá-lhe quarenta e poucos.
Quem o vê a correr, então, dá-lhe trinta, tal é a desenvoltura que demonstra e a velocidade que alcança.
No entanto, foi só há pouco mais de duas décadas, já entrado nos cinquentas, que a vida deste homem realmente mudou.
Já se dedicava à actividade física, é certo. A barriguita era apenas uma recordação do tempo de quarentão e nos convívios dos dirigentes do clube de futebol que dirigia, a minis já tinham sido trocadas por água.
Mas um dia, a queda num passeio de cicloturismo fez com que se zangasse com as bicicletas. Ia partindo uma perna e nunca mais andou. O atletismo, que já ganhava espaço no seu dia-a-dia, passou a ser a prioridade. E ali nasceu o campeão da vitalidade.
“Comecei a dedicar-me à corrida, mas com poucos conhecimentos. O treino era correr. Muito ou pouco, mais depressa ou mais devagar”, diz o residente no Vale de Ourém, às portas de Fátima, mas no concelho da Batalha.
Foi quando um colega lhe deu a oportunidade de treinar “a sério”, ao levá-lo aos preparos orientados por Nuno Gonçalves, que tudo mudou.
Começou a desenvolver “mais velocidade e resistência”, melhorou “muito os tempos” e os resultados começaram a surgir.
Se antes ficava “próximo ou na parte de baixo do pódio” do seu escalão etário, passou a vencer todas as provas em que participava e as pessoas “começaram a admirar-se”.
Ficou, pois, com a certeza de que “não é importante treinar muito, o interessante é treinar bem”, ter “alguém com experiência que dê as dicas diárias para o treino”.
Tem os títulos de campeão nacional de corta-mato curto, “que o longo coincidia com outras provas e tinham de ser feitas opções”, de estrada e da meia-maratona, com recorde nacional do escalão (+75 anos), na Nazaré, oito dias depois de ter sido atropelado numa passadeira.
De campeonatos distritais nem vale a pena falar. “Mesmo a coxear, ganho sempre. Os outros já pararam todos.”
Agora, o foco está na maratona do Campeonato Nacional de Veteranos, marcada para o próximo dia 17, apesar de “não estar” no seu melhor momento de forma.
“É o único título nacional em estrada que me falta e queria consegui-lo este ano, mas estou com dificuldade em voltar à velocidade que tinha há ano e meio. Tive uma paragem longa e agora estou em esforço continuo para ver se consigo recuperar”, explica Filipe Tomás.
Ainda assim, quer fazê-la em menos de quatro horas, quando o recorde nacional do escalão (+75 anos) é de quatro horas e nove minutos.
“Quando foi batido eu já andava na casa das três horas e quarenta. Que pena que não pude ir, por lesão, porque acredito que teria estabelecido um belo recorde.”
A prova desassossega-o, porque dará acesso à campeonato mundial, um sonho que quer muito concretizar, até por reconhecer um enorme potencial.
“A última maratona que corri foi em Sevilha, em 2020, e não fiz um grande tempo porque andei envolvido noutras provas curtas e perdi a oportunidade do treino específico que devia fazer. Mesmo assim, cheguei abaixo das três horas e cinquenta à meta e tive de esperar duas horas pelo segundo classificado do meu escalão.”
Na verdade, nem sabe quantas vezes já correu esta distância, mas sabe que a primeira foi em 2002, aos 58 anos, e já o fez em Paris, Madrid, Valencia, Lisboa, Porto, Sevilha e Badajoz, onde já venceu em quatro ocasiões e ganhou outras tantas o prémio de “mais idoso”. “Tenho de lá ir buscar o quinto troféu”, sublinha, orgulhoso.
E pronto, apesar desta metamorfose tardia, o atleta do Atlético Clube de São Mamede garante que o segredo da eterna juventude das pernas não existe, mas tem uma explicação para que tal aconteça. É dos alunos de Nuno Gonçalves mais assíduos, “talvez por ter mais disponibilidade”.
Treina “todos os dias”, entre hora e hora e meia, dependendo do plano, e descansa ao sábado. Não é só correr, sublinha, porque o “reforço muscular é muito importante”.
“Há uns tempos se ficava muito tempo de pé doía-me a coluna, mas agora já não”, exemplifica.
E Filipe, que é mesmo “um jovem”, não pensa em parar. Ainda por cima, sente o reconhecimento dos seus pares, o que o “envaidece muito” e lhe dá “mais vontade para continuar”.
“Se não me estragar em termos de cuidados, aos 80 anos quero correr a maratona. Se não me lesionar, quero correr mais meia-dúzia de anos, porque é o desporto que me mantém saudável e elegante, com um corpo perfeito.”