Ainda sem a dimensão de outras cidades, Leiria apresenta já alguns constrangimentos de tráfego, seja nas principais entradas/saídas da cidade seja na zona central, onde ao início da manhã e ao final do dia se vão acumulando filas de trânsito. Com o objectivo de procurar soluções para minimizar os problemas e apontar caminhos de futuro, a Câmara mandou fazer um plano estratégico de mobilidade e trânsito, tornado público em Abril de 2016 e que suscitou muita polémica.
Entre as propostas do plano sobressaía a pedonalização de várias zonas da cidade, como o largo da República (em frente aos Paços do Concelho), parte do centro histórico e a avenida Heróis de Angola, sendo que, neste caso, eram sugeridos dois cenários, um com o corte total de trânsito e outro parcial. O plano defendia ainda o alargamento da rede de ciclovias, a disponibilização de um sistema de partilha de bicicletas, a criação de vias exclusivas para transportes públicos e a construção de parques de estacionamento dissuasores junto ao hospital e à rotunda D. Dinis.
Quase quatro anos depois, a maioria das propostas continuam por executar e os problemas de circulação vão-se agravando, com tendência para piorar, nomeadamente em dois dos principais pontos críticos: a rotundas D. Dinis e a entrada na cidade pela designada estrada da Marinha, zonas que, no futuro próximo, terão um aumento do fluxo automóvel devido ao novo centro comercial (Lis Shopping) e à construção da urbanização Quinta da Malta, com cerca de 500 fogos e um hospital privado (CUF).
Para minimizar os problemas nesta zona da cidade, a Câmara de Leiria anunciou, na semana passada, a intenção de investir 2,2 milhões de euros, com a construção de duas novas rotundas (uma junto ao posto de combustível da Galp e outra em frente à Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria). O estudo prévio apresentado preconiza também a criação de um corredor bus naquela zona – o primeiro da cidade, com a Câmara a prometer que a medida será replicada noutros pontos – e aumento dos lugares de estacionamento dos actuais 220 para 580.
Uma das novas áreas de aparcamento está prevista para terrenos da antiga prisão-escola, anexos à rotunda D. Dinis. Trata-se de uma pretensão antiga do Município, que tem esbarrado nas difíceis conversações com a Direcção-Geral de Tesouro e Finanças, que gere o património do Estado, para a cedência da parcela necessária. “As negociações ainda não estão concluídas. Há reuniões marcadas para verificar as condições de cedência”, referiu o presidente da Câmara, Gonçalo Lopes, durante a apresentação do estudo prévio.
Ao JORNAL DE LEIRIA, o vereador do Trânsito, Ricardo Santos, assegura que o Município mantém a intenção de criar um parque junto à rotunda das Olhalvas (num espaço que já é usado para aparcamento) e que “está a estudar outras localizações” para esse fim, “com o objectivo de reduzir o trânsito na cidade”. “Esta estratégia envolve a criação de circuitos de transportes públicos para efectuar a ligação ao centro da cidade”, acrescenta.
Para Francisco Marques, presidente da Associação para o Desenvolvimento de Leiria (Adlei), a resolução de muitos dos problemas de mobilidade na cidade passa, precisamente, pela existência de “parques de estacionamento de recepção na zona periférica”, que sejam “gratuitos” e servidos por transportes públicos ou até por modos suaves de mobilidade, como a bicicleta.
“Sem esses parques, dificilmente conseguiremos ter o resto da solução”, defende o arquitecto, que chama a atenção para a necessidade de encontrar uma alternativa ao aparcamento existente na zona desportiva, que tem “funcionado como bolsa de recepção”, mas que será “muito reduzido” com a construção do pavilhão multiusos. Os parques periféricos ajudariam ainda a descongestionar as zonas residenciais, onde, por ser gratuito, o estacionamento é ocupado, em grande parte, por quem trabalha nas imediações.
Reforço dos transportes públicos é “peça-chave”
O presidente da Adlei aponta também o reforço dos transportes públicos como “peça-chave” na resolução de muitos dos constrangimentos de tráfego na cidade, que “são sentidos essencialmente no período escolar”. “Será sempre difícil ultrapassar o comodismo das pessoas e o transporte colectivo é, no geral, menos cómodo do que o automóvel, mas este também se torna incómodo se não se conseguir circular”, nota Francisco Marques.
O reforço dos transportes públicos, através do Mobilis, foi recentemente defendido pelos vereadores do PSD na Câmara de Leiria, que propuseram que o serviço seja “totalmente gratuito” e prestado por veículos eléctricos e/ou a hidrogénio. Os sociais- -democratas pediram também um aumento do número de veículos afectos à rede e a reestruturação das linhas com o aumento da frequência de passagens, do número de paragens e de quilómetros servidos, criando “uma rede de transportes gratuita, de qualidade e amiga do ambiente, dissuadindo, desta forma, o uso individual de automóveis”.
Pedonalização? Sim, mas “com moderação”
Adepto da bicicleta e da mota nas suas deslocações dentro de Leiria, o presidente da Adlei reconhece que a cidade “não é muito amiga” do velocípede. “Tem umas quantas subidas. O percurso Polis é um eixo muito bom para fazer um certo atravessamento da cidade. Mas o acesso à zona da Câmara não é fácil. O corredor preferencial para as bicicletas será pela rua Machado Santos, que é uma via muito condicionada. Criar ali uma ciclovia obrigaria à eliminação de estacionamento, o que não é muito fácil”, admite.
Apesar das dificuldades, João Pedro Silva, docente do Instituto Politécnigraco de Leiria, acredita que a bicicleta terá um papel importante na “alteração do paradigma de mobilidade urbana” que defende para a cidade. O professor dá como exemplo o projecto U-Bike, um sistema de partilha de bicicletas eléctricas criado pelo Politécnico, que, “sem que se tenham verificado alterações significativas à estrutura ciclável local (ciclovias e zonas de amarração)”, tem registado resultados “muito encorajadores” e que, no seu entender, justificam que a Câmara avance com um sistema semelhante aberto a toda a população. Para já, o município diz que está a estudar essa possibilidade (ver página 6).
João Pedro Silva defende também a aposta na “adaptação progressiva do espaço urbano de forma a eliminar a dominância do veículo automóvel, reafectando-o ao peão e a áreas de socialização”, com a criação de zonas pedonais. O presidente da Adlei concorda, mas pede “moderação”. “Não se pode ter uma zona 100% pedonalizada. Tem de haver sempre a possibilidade de efectuar cargas e descargas e ter estacionamento de apoio, o que no centro histórico não é fácil”, alega Francisco Marques, que considera também “contraproducente” proibir a circulação automóvel na zona central da cidade, nomeadamente na avenida Heróis de Angola.
“Cortar o trânsito no centro da cidade, que tem sido um objectivo de vários executivos, reveste-se de uma certa utopia e demagogia. Sempre que o trânsito é cortado nessa zona, criamos problemas noutros acessos e a cidade fica bloqueada”, nota o presidente da Adlei, que sublinha a importância de manter a Heróis de Angola como “via de atravessamento”.
A decisão em torno desta avenida, um dos principais eixos rodoviários da cidade, tem vindo a ser adiada pela Câmara. Nos últimos anos, foram várias as intenções reveladas pelo executivo, como a pedonalização total e até a cobertura, uma solução que ainda não foi abandonada pela autarquia.
Numa reunião recente com a direcção da Adlei, onde os representantes da associação pediram ao Município para “esquecer a cobertura”, o presidente da Câmara, Gonçalo Lopes, “não eliminou em definitivo essa hipótese”, revela Francisco Marques. Ao JORNAL DE LEIRIA, o vereador do trânsito refere que o projecto em desenvolvimento para a Heróis de Angola, que “será apresentando oportunamente”, contempla “melhorias na circulação pedonal”, sem especificar quais.
“O Município tem vindo a trabalhar no sentido de melhorar as condições de circulação pedonal, dando maior conforto e segurança aos peões, não só ao nível da pavimentação como também da sinalização”, acrescenta Ricardo Santos, dando como exemplo a intervenção, “em fase de conclusão”, na rua dos Mártires.