A comissão que em Janeiro de 2022 começou a investigar abusos sexuais na igreja católica em Portugal e já recebeu centenas de testemunhos divulga na segunda-feira as conclusões do seu trabalho, que serão entregues hoje à Igreja.
O relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que começou a recolher testemunhos em 11 de Janeiro do ano passado, só será apresentado na segunda-feira de manhã em Lisboa.
O relatório deverá ser ainda hoje entregue pelo coordenador da comissão independente, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), cujo presidente, o bispo de Leiria-Fátima, José Ornelas, agendou para as 16 horas de segunda-feira uma declaração sobre o seu conteúdo.
Para 3 de Março foi já convocada uma assembleia plenária extraordinária da Conferência Episcopal para analisar o relatório.
Sem querer adiantar números finais até à apresentação do relatório final, a comissão divulgou no seu último balanço público, em Outubro, que já tinha registado 424 testemunhos validados, compreendendo casos de abusos ocorridos desde 1950 e vítimas entre os 15 e os 88 anos.
Os membros da comissão esclareceram logo à partida que não estava em causa uma investigação criminal, mas adiantaram que as denúncias de crimes que não tivessem prescrito seriam encaminhadas para a Justiça, o que veio a confirmar-se com o envio, até Junho, de 17 denúncias para o Ministério Público (MP).
No entanto, em outubro foi assumido pela Procuradoria-Geral da República que dos 10 inquéritos instaurados, mais de metade (seis) já tinha sido arquivada.
Em paralelo, foi divulgado no início deste mês que as Comissões Diocesanas de Proteção de Menores tinham recebido até essa altura 26 participações de abusos sexuais em todo o país.
Os casos de abusos sexuais revelados ao longo de 2022 abalaram a Igreja e a própria sociedade portuguesa, à imagem do que tinha ocorrido com iniciativas similares em outros países.
Apesar da “tolerância zero” aos abusos decretada pelo Papa Francisco, Pedro Strecht disse ao longo deste ano que “há um sector da Igreja Católica que quer manter os segredos” e que se tornou “muito claro que houve encobrimento da hierarquia católica em Portugal”, apelando à instituição para “vencer o medo” e recusar “a ocultação da ocultação”.
Em causa estavam alegados encobrimentos dos crimes, nomeadamente por parte do cardeal patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, e do bispo de Leiria-Fátima e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, José Ornelas.
Estes casos acabaram por ganhar impacto político quando o Presidente da República considerou que os mais de 400 testemunhos não eram um número “particularmente elevado”.
Marcelo Rebelo de Sousa foi fortemente criticado e praticamente só o primeiro-ministro, António Costa, saiu em defesa do chefe de Estado, que, após dois dias de sucessivas explicações, acabou por se desculpar perante as vítimas.
Os escândalos dos abusos sexuais na Igreja Católica desvendados nos últimos anos em diversos países, como Estados Unidos, França ou Austrália, atingiram Portugal no ano passado, fruto do trabalho da comissão independente.
Sob a liderança do pedopsiquiatra Pedro Strecht, que se havia destacado como médico dos menores abusados no processo Casa Pia há 20 anos, a comissão integra também o psiquiatra Daniel Sampaio, o antigo ministro da Justiça Álvaro Laborinho Lúcio, a socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida, a assistente social e terapeuta familiar Filipa Tavares e a cineasta Catarina Vasconcelos, dispondo ainda de acesso aos arquivos da Igreja.