De madeira, de pedra ou de lata, voltados para o mar ou rodeados de serra, os moinhos da região estão a conhecer uma nova etapa do seu percurso ancestral.
Votados ao abandono desde que a tecnologia venceu o processo artesanal de moagem de cereais, estes ícones da cultura tradicional voltaram nos últimos anos a captar o interesse de entidades públicas e privadas, que, de diferentes formas, lhes têm devolvido vida.
Quando se assinalou o Dia Nacional dos Moinhos (dia 7 de Abril), fomos conhecer bons exemplos de revitalização no nosso território. Há quem os insira em rotas turísticas, quem os use como equipamento museológico, quem os transforme em habitação própria, em charmosos alojamentos ou até num monumento religioso.
O museu vivo de Pousaflores
Em Ansião, o Município e as Juntas de Freguesia há muito reconheceram o valor dos seus moinhos de madeira, explica Cristina Bernardino, vereadora da Cultura. Além de terem sido recentemente reparados os moinhos dos lugares do Outeiro (Alvorge) e da Melriça (Santiago da Guarda), ainda em 1993, no âmbito do Programa Leader, a Junta de Pousaflores teve a iniciativa de construir de raiz uma réplica dos moinhos originais daquela freguesia.
Desde então, somam-se as visitas guiadas àquele espaço, dinamizadas pela Autarquia, bem como por associações locais e pela igreja, onde miúdos e graúdos têm workshops e aprendem com o moleiro como se pro- duzia farinha em tempos idos. E o feedback é de tal forma positivo que a Autarquia está a trabalhar na homologação da Rota do Vento e de um conjunto de percursos pedestres desenvolvidos em torno dos moinhos, adianta a vereadora.
No ano passado, o moinho de Pousaflores foi de resto usado como marca identitária de Ansião, que candidatou esta construção à campanha 7 Maravilhas da Cultura Popular. O Município argumentava então que este moinho giratório é um “artefacto complexo”, que se reveste de “grande significado histórico” e cuja recuperação não o descaracterizou.
“Esta candidatura constitui um reconhecimento da autenticidade desta herança tecnológica tradicional de grande importância histórica e valor mundial, assim como da perseverança de quem tem preservado este verdadeiro referencial identitário da população local, mantendo viva a memória colectiva”, frisava a Autarquia.
Restaurados e integrados em percursos pedestres
A promoção deste património, tanto do edificado como dos costumes, por iniciativa da Câmara de Ansião, é um bom exemplo a seguir, considera Rui Rua, investigador de Pombal, que desde 2015, através da sua dissertação de mestrado, tem defendido que os moinhos da Corujeira também podem ser um factor de dinamização turística do seu concelho e em particular da Freguesia de Abiúl.
E com o seu empenho, com o envolvimento da Junta e da Câmara de Pombal, o trabalho de recuperação e de promoção dos moinhos também já arrancou no lugar das Corujeiras. Aqui, explica Rui Rua, destacam-se instalações datadas do final do século XIX, construídas com recurso a chapa, por influência norte-americana, o que torna estes moinhos únicos do género na Europa.
Em marcha está já o projecto de recuperação, uma iniciativa da Junta, que conta com o apoio da Autarquia, sendo que o primeiro restauro está praticamente pronto, adianta Rui Rua. Além disso, o investigador tem vindo a trabalhar na criação de um percurso pedestre a desenvolver em torno deste edificado. E a sua expectativa, revela, é que a devida homologação chegue a tempo de inaugurar por o circuito ainda durante este Verão.
Convertido em alojamento
No concelho de Porto de Mós subsiste um ou outro moinho de pedra ainda dedicado à moagem. Muitos foram convertidos em habitações ou em pequenas unidades de alojamento. E talvez ainda existam alguns por converter, mas apenas porque estão a ser vendidos a preços muito elevados e porque nem sempre estão próximos [LER_MAIS]de pontos de abastecimento de água e de electricidade, conta Elisabete Vieira, que também tem negócio num moinho.
Quando Elisabete Vieira começou a explorar a Quinta de Rio Alcaide, uma propriedade com vinte e muitos hectares, com oito casas para alojamento rural, já uma dessas habitações era o moinho, recuperado “há 20 ou 30 anos”, supõe a gerente, que não fica admirada com a corrida aos moinhos que tem acontecido nos últimos anos em Porto de Mós, a avaliar pelo sucesso que o seu tem suscitado junto do público.
“Fica isolado, mas é de fácil acesso, e tem vista sobre a vila. Por cima tem um quarto com lareira e por baixo uma casa de banho e uma pequena kitchenette. Ao redor tem um espaço de churrasco, com um telheiro, onde é sempre bonito ver o pôr-do-sol”, salienta a empresária. Antes da pandemia, eram sobretudo os estrangeiros que mais requisitavam o moinho.
Agora, que há menos viagens internacionais, são os portugueses que têm mais oportunidade de passar dias naquela construção pitoresca, expõe a gerente da quinta.
Nórdicos rendidos aos moinhos do litoral
No livro que lançou sobre Moinhos das Caldas da Rainha, em 2018, em coautoria com Ricardo Lopes, a arqueóloga Alexandra Figueiredo, também docente do Instituto Politécnico de Tomar, identificou só naquele concelho 85 moinhos, que se encontravam nos mais diversos estados de conservação.
Destes moinhos de vento do Oeste, que deverão remontar à segunda metade do século XVIII, ainda existem alguns que moem cereais, embora a maioria já não esteja em funcionamento e muitos se encontrem já em ruína, observa Alexandra Figueiredo.
A degradação deste património surgiu a partir dos anos 70 do século XX, à medida que a moagem tradicional foi sendo substituída pelo processo industrializado.
Contudo, embora grande parte destes imóveis se encontre desactivada e não conservada, a arqueóloga identifica vários casos onde estes foram transformados em estruturas para outras funcionalidades, como é o exemplo do Moinho da Portela, convertido em habitação, ou da Capela de São Tiago, cujo moinho está actualmente registado como monumento religioso. Ambos estão localizados na freguesia de Santa Catarina.
E embora conclua que só cerca de um terço dos moinhos se tem mantido com reconstrução idêntica à traça original, a arqueológica consegue identificar vários casos de sucesso, entre os quais o Moinho das Boisias, uma construção de madeira, que em 2017 foi restaurada com apoio da Câmara Municipal. Apresenta a estrutura de mastro, varas, velas e engrenagem, salienta a investigadora.
Neste concelho, explica a arqueóloga, o esforço de revitalização tem surgido junto dos habitantes locais, que vão mantendo grande ligação afectiva com o seu património, herdado de geração em geração. No entanto, realça, a população acaba na maioria das vezes por lhes conferir outra função que não a moagem, usando-os como anexo/ armazém das suas casas, até como habitações arrendadas a turistas. Os ingleses, os holandeses e também os franceses, estão entre os grandes apreciadores da vida tranquila nos moinhos.
São eles quem muitas vezes os arrenda para passar férias ou que os compram para os reparar. São mais cobiçados aqueles que se encontram no litoral e têm vista sobre o mar, nota Alexandra Figueiredo.
Mas nem todos estão localizados na faixa costeira e nem todos estão ainda cuidados, pelo que é essencial um “olhar atento por parte da comunidade e do Município, para o auxílio e preservação destes elementos históricos”, atenta a arqueóloga, neste seu livro sobre moinhos, que desenvolveu no âmbito do Projecto Carta Arqueológica Caldas da Rainha.
Oeste CIM lança plano: Formar moleiros e criar uma marca territorial
A Comunidade Intermunicipal do Oeste (Oeste CIM) acaba de lançar o Plano de Salvaguarda e Valorização dos Moinhos do Oeste, com o objectivo central de construir uma visão estratégica e um plano de acção para salvaguarda e valorização económica do património molinológico no seu território. Até 10 de Maio, o plano estará sob consulta pública, a congregar contributos de todos.
Entre 729 moinhos identificados neste documento, foram observadas 34 intervenções que levaram à perda da sua funcionalidade original. De forma a preservar não só as estruturas como as tradições a elas associadas, este Plano pretende eliminar as acções destrutivas dos moinhos de vento e envolver 12 moleiros e 36 aprendizes em processos de transmissão intergeracional de saberes num horizonte de 18 meses.
Por outro lado, pretende criar a marca territorial dos Moinhos do Oeste, associada aos moinhos e suas constelações de actividades, produtos e serviços, tradicionais ou não, de forma a valorizar este património e potenciar a sua atractividade e iniciativas empreendedoras.