A golpes da maceta no cinzel, Pedro Lino, fundador da Pigmento Efémero – Artes e Restauro está, há cinco meses, a burilar uma peça de arte que vai embelezar um dos pontos de Lisboa mais fotografados por turistas de todo o mundo.
A Infraestruturas de Portugal (IP) adjudicou-lhe a missão de criar uma réplica da estátua do rei D. Sebastião, que ocupava um local de destaque na fachada da estação do Rossio.
A representação em calcário do jovem rei, da autoria do escultor francês Gabriel Farail (1838-1892), foi destruída, em 2016, por um turista que subiu para um nicho da fachada com o intuito de tirar uma selfie.
A manobra não correu pelo melhor e a peça caiu e ficou partida em 90 fragmentos, embora tenha sido restaurada, num trabalho concluído em Agosto de 2020, “numa tarefa morosa e complexa”, como explica fonte da Infraestruturas de Portugal, pela conservadora Bruna Pereira de Oliveira.
Mesmo assim, receando a fragilidade da peça, a empresa que gere a estação do Rossio irá colocá-la no átrio inferior do espaço, em local visível, mas protegida por uma redoma de vidro.
O exterior neogótico do edifício projectado por José Luís Monteiro e inaugurado em 1890, receberá, no dia 21 de Julho, a réplica que Pedro Lino está a terminar, numa tarefa onde tem tido o auxílio do escultor Mário Lopes, também de Leiria.
Aliás, é no atelier deste último que encontramos Pedro Lino a aprimorar os detalhes da escultura.
Embora a peça original tenha mais de 200 anos, o artista plástico e conservacionista sublinha que teve sorte, pois conseguiu acesso ao modelo original em gesso, criado por Farail, pois a peça está em exposição no Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto, em Lisboa.
Médico intensivista
O escultor de Leiria é como um médico intensivista de património a precisar de cuidados, com muita experiência no uso de técnicas ancestrais para desbastar e rendilhar rochedos em bruto em finas e graciosas filigranas de delicada pedra branca.
“Os detalhes são reproduzidos ao milímetro ou à espessura de um cabelo”, explica, enquanto, com o cinzel, vai desbastando camadas da espessura de uma casca de maçã.
Tudo é feito com a ajuda do pantógrafo, instrumento criado pelos antigos mestres de cantaria em tempos imemoriais, e que serve para transformar o escultor e o seu cinzel numa espécie de máquina de fotocópias humana.
O artista tira medidas, a partir de três pontos fixos na peça original, e após esta operação, aplica-as na nova peça. No final do trabalho, entregará uma estátua que não será igual ao modelo em gesso, mas que será milimetricamente semelhante à que adornava a fachada da estação de comboios do Rossio. Para isso, guia-se igualmente pelas fotografias feitas à estátua antes e depois de ter sido destruída e restaurada.
Restauro de Património
Pedro Lino é natural da freguesia das Cortes (Leiria). Estudou Cantaria Ornamental na extinta Escola de Artes e Ofícios da Batalha, fez uma especialização em Conservação e Restauro, em Lisboa, e, após vários anos de trabalho no sector do restauro e conservação de património nacional criou a empresa Pigmento Efémero – Arte e Restauro de Património Histórico e Cultural.
Colabora com a DGPC, com empresas e museus e com os Parques de Sintra, entre outras entidades, além de se dedicar à escultura da sua própria criação. Trabalhou no restauro dos vitrais da fachada principal do Mosteiro de Alcobaça e fez o restauro da obra A Caminho da Cidade, da autoria de Anjos Teixeira (filho), que está localizada no “parque do avião”, em Leiria.
Recriar a peça foi também redescobrir os passos que autor original deu. Após a conclusão da obra, alterou-a, usando escopos mais “rústicos” para dar mais volume ao panejamento.
“Houve a tentativa de tornar a face de D. Sebastião mais adulta e essas alterações têm de estar reproduzidas na minha peça”, sublinha. A matéria-prima da escultura original era “pedra de Ançã”, originária da zona de Cantanhede, mas a pedreira esgotou-se, pelo que o artista teve de procurar rocha que fosse o mais semelhante possível.
A escolha recaiu sobre o calcário “branco-mar” ou “moleanos relvinha”, proveniente das Serras de Aire e Candeeiros, mais concretamente do concelho de Porto de Mós. A nova peça será reforçada, com espigões metálicos que a fixarão ao seu nicho, de modo a que não volte a cair, mesmo se um turista se volte a empoleirar nela.
Recriar o pelourinho de Leiria? Quem sabe?
Pedro Lino é um mestre do restauro e, como tal, explica que gostaria de recriar peças de grande importância para a sua cidade. É o caso do pelourinho de Leiria, símbolo máximo da elevação a Município, que estava colocado na Praça Rodrigues Lobo e que foi destruído.
“Também gostava muito de poder criar uma peça de homenagem à água e ao Rio Lis, com uma escultura naturalista, para a minha terra-natal, as Cortes. Prometeram-me que, na nova rotunda, haveria essa possibilidade.”
Diz ainda que prefere trabalhar com materiais verdadeiramente nobres, que perduram no tempo e que podem ser apreciados pelas gerações futuras.
“Os materiais mais contemporâneos, como as resinas epoxy, fibra de vidro e ferro são perecíveis, não aguentam a passagem do tempo e precisam de muita manutenção, além de serem péssimos para o ambiente”, faz notar.
“Sinto que Leiria precisa de elevar a exigência colocada nas suas obras de arte pública.”