Quem visita as Fragas de São Simão é de imediato banhado por uma enorme sensação de calmaria. Corre leve a Ribeira do Alge, criando espelhos de água transparente, emoldurados pela vegetação densa, de onde soa o chilrear dos pássaros. Não há ondas nesta praia fluvial de Figueiró dos Vinhos, pelo que o espaço é frequentado por muitas famílias, que nele reconhecem tranquilidade e segurança para libertar as crianças nas suas brincadeiras.
É neste ambiente bucólico que encontramos, sentado à sombra, Tiago Santos, o nadador-salvador de serviço. “Para que serve ter um nadador-salvador aqui?”, devem interrogar-se quase todos aqueles que chegam às fragas. Bem, a pergunta só faz sentido nos primeiros minutos. Depois de começar a subir e a percorrer trilhos sinuosos de pedras para estender as toalhas, os visitantes acabam por perceber quão absurda era a sua questão.
Natural de Alvaiázere, Tiago, de 23 anos, cumpre pelo terceiro ano consecutivo a missão de vigiar esta praia fluvial durante a época balnear, entre 1 de Julho e 15 de Setembro. Realça que as pedras são o maior perigo neste local. É preciso estar atento para evitar que as pessoas saltem das rochas para a água, sobretudo em zonas que podem oferecer risco. E é preciso acudir a quem caminha ou corre por cima delas. Com alguma frequência “há umas fracturas, escoriações, uma cabeça partida, uns ombros deslocados”.
“Numa época balnear inteira, vou duas ou três vezes à água. Por causa de crianças e até de adultos que se assustam quando nadam para uma zona de maior profundidade, de cerca de quatro metros. Por vezes não têm a noção dessa profundidade”explica Tiago. “Acaba por se chamar mais o INEM por causa de acidentes nas pedras do que por causa de complicações na água”, prossegue o nadador-salvador.
Esse processo também não é propriamente simples, expõe o vigilante. Este ano já existe um sinal, ainda que fraco, mas nas duas épocas balneares anteriores, nem sequer havia rede que permitisse telefonar ao INEM. É nessa altura que o jovem tem de recorrer aos músculos e aos pulmões para correr numa subida íngreme até conseguir sinal suficiente para chamar a emergência médica. “Este ano só aconteceu uma vez. No ano passado, tive de chamar o INEM cinco cinco vezes”, conta o nadador-salvador.
“Eu próprio também já torci um pé numa pedra. Foi no meu último dia de trabalho, no ano passado. Estava a preparar-me para dar um mergulho”, recorda o vigilante.
Amizades internacionais, arranhando o “Portinhol”
A faceta mais aborrecida de vigiar a praia fluvial são os dias de menos movimento. A companhia da cadela quebra a solidão. “O que ela mais gosta é que mandem pedras para a água. Vai buscá-las toda contente”, partilha Tiago.
A melhor parte da função é mesmo falar com as pessoas, travar amizades com gente que chega [LER_MAIS]de todo o País e de vários pontos do mundo. Para isso lhe serve o Inglês, intermédio, e o “Portinhol”, que dá para o gasto. “Há turistas que vêm cá todos os anos. É giro reconhecer as caras.”
“As fragas costumavam ser mais frequentadas por pessoas de cá. Depois de se criarem os passadiços, há dois anos, e também por causa da Covid-19, que motivou os portugueses a procurar refúgios do interior, começou a chegar mais gente de fora, muitos de Lisboa, também franceses, holandeses, italianos e espanhóis”, expõe o nadador-salvador.
“Com a pandemia, quiseram descobrir mais o interior, não só esta praia, mas também a gastronomia e toda a envolvência”, prossegue Tiago. O limite de ocupação na área vigiada desta praia são 50 pessoas, mas é difícil controlar quando são tantos os pontos de entrada. “Não exagero se disser que já se concentraram aqui 500 pessoas, não só nesta área vigiada, mas em toda a extensão da ribeira”, aponta o nadador-salvador.
“Mas este ano há menos gente do que no ano passado. Estão a voltar às férias no Algarve”, supõe o jovem. Por outro lado, estão a regressar os emigrantes, nota ainda.
E as babes? Sobre namoradas de Verão Tiago nada revela. Afinal, diz, “estamos aqui para trabalhar”.
Trabalho de Verão para ajudar com as propinas
Tiago Santos concluiu a licenciatura em Ciências do Desporto, em Coimbra, onde fez também uma pós-graduação em Gestão Desportiva. Como a faculdade tinha uma parceria com o Instituto de Socorros a Náufragos, possibilitava aos alunos interessados poder realizar o curso de nadador-salvador. Tiago não hesitou. Nem ele, nem grande parte dos seus companheiros. “Tenho muitos colegas que são nadadores-salvadores em praias da costa e em praias fluviais do País inteiro, incluindo ilhas”, conta o jovem.
Depende dos contratos estabelecidos com os responsáveis pelos concessionários, realça Tiago, mas, de modo geral, a função de nadador-salvador não é mal remunerada. E é suficientemente atractiva para captar muitos jovens recém-formados ou estudantes que, por esta via, encontram uma forma de amealhar dinheiro para ajudar a pagar as propinas. É este o seu caso também. A poupança que conseguir este ano já tem destino. Servirá para ajudar a pagar o curso de mestrado em Gestão Desportiva, que irá fazer no Porto.
Também em Figueiró dos Vinhos, na praia fluvial da aldeia Ana de Aviz, João Salazar, de 22 anos, assume a cadeira de nadador-salvador, na expectativa que o ordenado ajude a pagar a licenciatura em Desporto, que está a realizar em Castelo Branco. Cinquenta euros por dia foi o valor acordado com o responsável por este concessionário, montante que vai ao encontro do que é praticado nas praias do resto do País, explica João.
No seu caso, o contrato não inclui alimentação, mas a situação também se contorna bem, quando se vive pertinho da praia. Ausenta-se na hora de almoço, mas não é problemático deixar a zona sem vigilância durante esse período, que até costuma ser “hora morta”, expõe o jovem.
Contar entradas e socorrer aos golpes nos pés
Numa praia onde a profundidade máxima da água é de 1,60 metros, não é grande a probabilidade de afogamento, realça o nadador-salvador. O maior risco são as pedras já gastas e finas da piscina, uma construção com alguns décadas e que, pelo desgaste da água e da utilização, deixou algumas lajes afiadas, onde de vez em quando alguns banhistas se cortam. João teve conhecimento de que nesta praia uma mulher não resistiu, após uma paragem de digestão, mas são raros os incidentes do género no local.
Os tempos de pandemia têm, no entanto, criado outro tipo de preocupação: a contagem das entradas. A praia tem uma lotação máxima de 90 pessoas e cabe ao nadador-salvador fazer esta contabilidade. Nem sempre o público compreende as regras da melhor maneira e já foi necessária a intervenção da GNR, recorda. Mas, regra geral, o bom diálogo é suficiente para fazer aplicar as leis. “Até evito usar o apito”, revela o nadador-salvador, lembrando que o utensílio pode causar algum susto desnecessário junto dos banhistas.
O futuro profissional do jovem ainda é uma incógnita, mas João gostaria de poder trabalhar na organização de actividades de lazer na natureza. Esta experiência de interacção com o público servirá para lhe dar experiência e enriquecer o currículo, acredita o jovem.
Tal como nas Fragas de São Simão, também nesta praia fluvial os dias do ano passado foram mais movimentados, quando Portugal inteiro parecia ter descoberto o interior para fugir à pandemia. Este ano há menos visitantes, ainda assim muitos deles vindos de grandes centros urbanos. “Vêm de Lisboa, de Cascais, da Ericeira, para fugir da confusão”, nota o vigilante. E as amizades? Mais uma vez se impõe a pergunta. Desta feita, o nadador-salvador reconhece que a farda é de certa forma um atractivo e lá se vão fazendo uns contactos com as beldades. “Uns dias melhores que outros”, conta João Salazar.
Sossego e ar puro atraem forasteiros
De toalha estendida sobre a relva, Rui Santos desfruta em família do primeiro dia de praia fluvial na aldeia de Ana de Aviz. O primeiro deste ano, sublinha o construtor civil de Torres Vedras, que faz da estadia em Figueiró dos Vinhos um hábito recorrente. Costuma visitar a família, natural do norte do distrito de Leiria, e aproveita sempre para passar por esta praia, onde encontra a dose certa de “tranquilidade” para “descansar a cabeça” da agitação da cidade. Numa área que é sossegada, onde não há agitação de ondas nem aglomerados de gente, Rui sente-se seguro para deixar as crianças brincar à vontade.
São também estas as razões pelas quais Filipa Pereira, cunhada de Rui, volta sempre a casa da família e à praia fluvial. Tudo é diferente por estas bandas, defende Filipa, referindo-se ao sossego, ao ar puro e ao cheiro característico da vegetação. Os argumentos são validados pelo filho, o pequeno Duarte, que diz gostar especialmente da água.
São naturais de Leiria, as cunhadas Patrícia Gaspar e Marisa Faria, que todos os anos gostam de fazer uma escapadinha para esta zona do distrito. Patrícia conhece desta vez as Fragas de São Simão, mas já tinha ido a outras praias fluviais desta região, onde a paisagem atrai e a água transparente convida ao mergulho. “As pedras são aqui o maior perigo para adultos e crianças, admite a turista, para quem o trabalho de vigilância “não cabe apenas ao nadador-salvador, mas também aos pais dos miúdos”.
Marisa gosta particularmente desta praia, onde a natureza a surpreende a cada ano que passa. A ribeira é dinâmica e cria cenários e pontos de interesse sempre diferentes. Para as crianças, é uma forma de quebrar a rotina e de sair do contexto de praia na costa, que já bem conhecem, expõe a visitante.