No grupo de 21 ucranianos que viajaram para Portugal integrados na primeira missão de resgate organizada pela Câmara Municipal de Leiria, também vinham Nadia, a irmã e a sobrinha, ainda adolescente.
Depois de viverem no estádio e na antiga escola primária da Martinela, as duas últimas voltaram à Ucrânia no Verão e mudaram-se, entretanto, para Inglaterra.
Nadia, que veio para Portugal proveniente de Kiev, através da fronteira com a Hungria, em Tiszabecs, também regressou à Ucrânia, onde permanece, agora a residir em Lviv, na região Oeste, perto da Polónia.
“Por estranho que soe, a Ucrânia vive! Escolas e jardins-de-infância estão a funcionar – se há um alerta, toda a gente vai para um abrigo. As lojas, os cafés, os restaurantes, os teatros e os cinemas estão abertos e tudo trabalha”, conta ao JORNAL DE LEIRIA.
“Quando vou visitar os meus pais na região de Dnipropetrovsk, a vida também continua na cidade de Dnipro, mas quando se viaja mais e mais para leste, as estradas estão praticamente vazias, há mais militares e são mais frequentes os avisos para aviões a sobrevoar, por vezes durante todo o dia. Eles vivem com isso, estão acostumados. Por vezes, vê-se um rocket [foguete de artilharia] a voar desde o território da Rússia, voam muito baixo”. E conclui: “Vive-se com a guerra à nossa volta”.
Um ano de guerra mudou a face da Ucrânia. “Nada é como antes. Nós estamos diferentes. Outros valores. Os sentimentos são diferentes, a percepção é diferente. Os amigos estão espalhados pelo mundo, uns estão a combater, outros estão no estrangeiro”. Alguns morreram ou sofreram ferimentos.
Os pais, que sempre quiseram ficar, estão em segurança, numa cidade actualmente a 50 quilómetros da linha da frente. “Eles não querem deixar a casa deles, como muitas pessoas na Ucrânia. Preocupo-me muito com eles todos os dias, estamos constantemente em contacto, tenho os avisos dos alarmes aéreos deles no meu telemóvel”.
Nadia diz que a situação acordou algo no país, que agora parece permanente. “Começamos a pensar quem somos, onde vivemos, começamos a compreender o valor da vida. Ao mesmo tempo começamos a estudar mais sobre a nossa história, cultura, identidade nacional. Os meus filhos vão crescer com valores completamente diferentes, não aqueles que foram impostos pela Rússia durante muitos séculos”.
A decisão de voltar a um país debaixo de bombas radica nesse pensamento. “Quando estamos em casa, torna-se mais fácil. Andar a pé na cidade, ir ao café e dizer olá, já é felicidade”. Os que estão na Ucrânia, não baixam os braços. “Toda a gente ajuda como pode e onde pode. Todos nós, só queremos liberdade. Liberdade para viver na nossa própria casa, liberdade para sermos nós próprios, liberdade dos mercenários”, escreve Nadia, numa conversa mantida através da internet.
“A coisa mais importante é que o inimigo, começando a guerra, queria privar- nos da nossa identidade. E deu um novo ímpeto à nossa percepção de nós próprios enquanto nação com uma história antiga e cultura. Sei que sou ucraniana, não importa onde estou”.