O incêndio aconteceu em Junho e em Agosto o Presidente da República já perguntava se as casas estariam prontas a tempo do Natal. Mais de três anos depois, continua por cumprir o desejo de reconstruir a totalidade dos imóveis de primeira habitação atingidos pelas chamas em 2017 nos concelhos de Pedrogão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos. Ainda há seis proprietários à espera, que correspondem a outros tantos processos considerados em execução pelo fundo Revita, que agrega os donativos em dinheiro, bens e serviços.
Em causa estão três habitações de Castanheira de Pera (nas aldeias de Valinha Fontinha, Rapos e Souto Fundeiro), duas de Pedrógão Grande (Vila Facaia e Campêlos) e uma de Figueiró dos Vinhos (Vale Salgueiro).
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Nos casos de Valinha Fontinha e Rapos, os moradores beneficiam de realojamento pela Segurança Social. A primeira obra está praticamente concluída, a última encontra-se parada por ausência do empreiteiro, com a Associação de Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande a questionar o fundo Revita.
Em Souto Fundeiro, o fim também está longe, mas o proprietário tem alternativa própria.
Na Travessa dos Lopes, Vila Facaia, a intervenção nunca se iniciou – e entretanto a mulher que lá vivia, sozinha, morreu.
A família de Campêlos habita a moradia em restauro, o mesmo acontece em Vale Salgueiro, onde falta ampliar o imóvel já recuperado.
O presidente do Instituto da Segurança Social e presidente do conselho de gestão do Revita, Rui Fiolhais, recusou comentar. O presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, e a presidente da Câmara de Castanheira de Pera, Alda Carvalho, não responderam aos contactos e perguntas por escrito.
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Entretanto, em Valinha Fontinha, a casa de Eva Fernandes (na foto de abertura do artigo), 34 anos, trabalhadora florestal, que partilha com cinco pessoas, aguarda ligação à rede eléctrica e mobília oferecida pelo Ikea. “E pôr ali o portão e uma varanda aqui à frente, de madeira”, explica ao JORNAL DE LEIRIA, antes de recordar como o fogo tomou o telhado e rachou as paredes, no Junho mais negro de todos.
A reconstrução suporta-se na generosidade de um grupo de empresas e particulares, a maioria da zona de Aveiro. “Valeu a pena esperar”, porque a habitação “ficou melhor” do que era. Com mais quartos e mais um piso, onde a adolescente do grupo passa a ter um refúgio para estudar.
Na povoação de Rapos, a obra que tem por beneficiária Alzira Luís, 76 anos, viúva, está mais atrasada. Bastante mais. Fora o telhado e as paredes rebocadas, falta quase tudo, incluindo portas, janelas e pavimento, entre outros elementos. Três anos depois.
“Não tem cabimento”, desabafa ao JORNAL DE LEIRIA. “Tem sido muito difícil”.
As chamas transformaram a residência de um casamento inteiro numa ruína e a construção nova é de raiz. Só que o empreiteiro não aparece há meses. Na prática, está interrompida. Como a vida de Alzira Luís.
95% estão concluídas
Das 259 casas de primeira habitação para recuperar ou reconstruir nos concelhos afectados pelo incêndio de Junho de 2017 – Pedrógão Grande, Caastanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos – mas também nos concelhos vizinhos de Góis, Pampilhosa da Serra, Sertã e Penela, 245 encontram-se concluídas, o equivalente a 95%, revela o mais recente relatório de execução trimestral do fundo Revita, com a situação a 30 de Junho.
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Há seis obras por finalizar (referidas anteriormente no texto) e oito processos suspensos por suspeita de irregularidades.
O fundo Revita tem directamente a seu cargo a reabilitação de 99 casas de primeira habitação, as que apresentavam um perfil de intervenção mais exigente. Na sua maioria, reconstruções integrais. Destas, 88 estão concluídas, cinco suspensas e seis aguardam conclusão.
As restantes 160 (concluídas 157 e suspensas três) foram distribuídas por outros fundos constituídos a partir de donativos destinados à revitalização dos territórios penalizados pelo fogo, entre eles os fundos geridos pela União das Misericórdias Portuguesas, pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Cáritas Diocesana.
Coube à comissão técnica do fundo Revita identificar e validar as habitações atingidas. É constituída por representantes dos três municípios (Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos) e por técnicos da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro e da Unidade de Missão para o Desenvolvimento do Interior. E é coordenada pelo representante dos municípios no conselho de gestão do Revita.
Das 259 casas de primeira habitação aceites, 154 situam-se no concelho de Pedrógão Grande, 66 em Castanheira de Pera, 29 em Figueiró dos Vinhos e 10 nos concelhos limítrofes.
Autarcas na comissão de inquérito defendem apoios às segundas habitações
Por iniciativa potestativa (obrigatória) do PSD, está a decorrer uma comissão eventual de inquérito parlamentar à actuação do Estado na atribuição de apoios na sequência dos incêndios de 2017 na zona do Pinhal Interior.
Alda Carvalho e Fernando Lopes, respectivamente, actual e antigo presidente da Câmara Municipal de Castanheira de Pera, ouvidos este mês, defenderam subsídios para as segundas habitações.
Questionada na Assembleia da República no dia 8 de Julho, Alda Carvalho, eleita pelo PSD, disse aos deputados que o apoio às segundas habitações “não funcionou”, mas, por outro lado, sublinhou o peso que têm na economia do interior norte do distrito de Leiria, onde, segundo a autarca, “as habitações secundárias são como habitações permanentes”.
Já Fernando Lopes, que em 2017 liderava o Município de Castanheira de Pera, pelo PS, reconheceu que esperava “um apoio generoso do Estado” para as habitações não permanentes: “Era nossa expectativa que as segundas habitações fossem também apoiadas e aí o Estado falhou”, enfatizou.
Autarcas, construtor e donos de habitações em julgamento depois do Verão
As alegadas irregularidades na reconstrução de casas depois do incêndio de 2017 em Pedrógão Grande estão na origem do processo que começa a ser julgado em Setembro no auditório da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) do Politécnico de Leiria.
A decisão de iniciar o julgamento nas instalações da ESTG deve-se ao “elevado número de intervenientes processuais e às exigências de higiene e segurança destinadas a minorar a possibilidade de infecção pelo vírus SARS-CoV-2”, explica, numa nota de imprensa divulgada em Junho, o juiz presidente do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
Há 28 arguidos, contra os quais o Ministério Público deduziu acusação. Foi requerida a perda de vantagens provenientes dos crimes no montante global de 716 mil euros.
Valdemar Alves (presidente da Câmara Municipal de Pedrógão Grande) e Bruno Gomes (antigo vereador) respondem por 20 crimes de prevaricação de titular de cargo político, 20 crimes de falsificação de documento e 20 crimes de burla qualificada.
O construtor civil João Paiva está acusado de um crime de burla qualificada e outro de falsificação de documentos.