A dificuldade aguça o engenho. E foi isso que, ao longos dos séculos, fizeram as gentes das aldeias serranas de Porto de Mós para tentar reter, o máximo possível, a água da chuva, seja através de simples pias, da canalização da água dos beirados para cisternas, de poços que ainda hoje povoam aquelas zonas, ou dos designados Telhados de Água de Serro Ventoso e da Mendiga.
Aqui, a água é recolhida através de um lajedo natural, uma encosta em pedra, para depósitos, depois de passar por várias fases de filtragem. Daí, é canalizada para o fontanário existente no centro da povoação, “própria para consumo”.
“Aqui nunca falhou a água”, afiança Zulmira Costa, de 83 anos, residente na Mendiga, que perdeu a conta aos garrafões que encheu no fontanário.
Só o peso da idade a impede agora de recorrer a esta fonte de abastecimento. “Já me custa vir cá a cima, mas antes vinha mais do que uma vez por dia. O gado também bebia desta água”, recorda a mulher, apontando para a pia construída no noutro lado da estrada preparada para os animais.
José Manuel Neto, de 77 anos, interrompe os afazeres na mercearia para nos contar a história dos Telhados de Água da Mendiga, cujo mentor foi o seu sogro, Manuel Batista Amado, que, durante anos, foi presidente da junta. “Inspirou-se no sistema de cisterna, que sempre fez parte da vida das gentes serranas. Construía-se uma casa e ao lado fazia-se um poço para aproveitar a água das chuvas”, relata o comerciante, proprietário da Casa Amado, a funcionar há 140 anos.
Natural de Serro Ventoso, freguesia que seguiu o exemplo da Mendiga e criou também os seus Telhados de Água, José Neto revela que, inicialmente, a ideia “não foi bem aceite pelas autoridades”. Mas a resistência dos organismos oficiais não demoveu Manuel Amado, que mobilizou meios para a execução da obra.
“A laje estava lá. Foi só tapar algumas fendas. Construíram- se dois grandes depósitos, cada um com capacidade para um milhão de litros. Demorou anos, mas a obra fez-se.” A inauguração aconteceu em 1957, em ambiente de festa. “Houve rancho e tudo. Foi uma riqueza muito grande para a terra”, recorda Zulmira Costa.
Nas décadas seguintes, os Telhados de Água – os de Serro Ventoso surgiram no início dos anos 60 – foram, aliás, o único meio abastecimento àquelas povoações. E, mesmo depois da chegada da rede pública, os sistemas mantiveramse a funcionar e ainda hoje são utilizados pelas populações locais e até por gente de fora que aí vem encher garrafões.
O controlo da qualidade da água dos sistemas é assegurado pelos serviços municipais, através de “análises regulares”, explica Carlos Cordeiro, presidente da Junta de Serro Ventoso, adiantando que a freguesia tem um outro terreno, com potencial para fazer mais um reservatório.
Para já, não há qualquer projecto nesse sentido, mas Dulce Custódio, eleita na Assembleia Municipal (AM), espera que o propósito se mantenha. “No século XXI também podemos fazer os nossos telhados de água, seguindo o exemplo da Mendiga e de Serro Ventoso e recuperando a tradição das cisternas ”, sugeriu na última sessão da AM.
Só 0,85% da água tratada nas ETAR da região é reutilizada
Do caudal tratado que sai das ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais) do Coimbrão (Leiria), Olhalvas (Leiria), Fátima, Pedreiras (Porto de Mós) e Marinha Grande apenas 0,85% é reutilizado. Estas são, aliás, as únicas estruturas de tratamento de saneamento da região onde existe algum (pouco) aproveitamento de águas residuais tratadas.
No universo da Águas do Centro Litoral (AdCL), que explora 67 ETAR na região Centro, só em 25 dessas estruturas é efectuada reutilização de caudal, após tratamento, e em quantidades muito reduzidas.
De acordo com informação da empresa, dos 69,6 Mm3 [milhões de metros cúbicos] de água [residual] tratada em 2021 em todo o sistema da AdCL, “foram reutilizados 0,45 Mm3, nomeadamente para afinação/diluição nos processos, lavagens de equipamentos e edifícios, o que corresponde a 0,65 % do caudal tratado”. O restante volume “foi rejeitado no meio hídrico para recarga do mesmo”.
A AdCL garante, no entanto, estar apostada em melhorar estes indicadores. E pretende fazê-lo em duas frentes, a começar pela própria casa.
Nesse sentido, a empresa definiu em 2021 um plano de investimentos para “as infra-estruturas com potencial de reutilização”, com vista a atingir uma taxa de “reutilização interna de 90%”. Ou seja, a meta é que, até ao final deste ano, 90% das necessidades de consumo de água das infra-estruturas de saneamento seja assegurada através de caudal tratado, contra os actuais 48% nos concelhos abrangidos pela bacia do Lis e de 63% na globalidade do sistema da AdCL.
Em paralelo, a empresa irá fazer uma “prospecção de potenciais utilizadores” de águas residuais tratadas, para o seu uso em áreas como a agricultura ou rega de jardins.
Este trabalho envolverá “a realização do balanço e mapeamento entre a oferta e a procura, de forma a demonstrar a viabilidade e sustentabilidade da produção e utilização de água para reutilização e os respectivos projectos de reutilização”.
No esclarecimento enviado ao JORNAL DE LEIRIA, a empresa nota que o Decreto-Lei n.º 16/2021, de 24 de Fevereiro determina que a produção de água para reutilização, obtida a partir do tratamento de água residuais, “passa a integrar a actividade principal das empresas do Grupo Águas de Portugal, estando no presente em desenvolvimento os estudos de viabilidade económico-financeira para essa actividade”.