Comprou 10 mil palhinhas de plástico para esta exposição [no Museu de Leiria]?
Sim, comprei. Para esta exposição, a primeira premissa foi o facto de se incluir na exposição que ainda está patente, a Plasticidade, que é no fundo esta abordagem de conhecimento sobre o triunfo económico da baquelite, que foi o primeiro plástico produzido pelo Homem. Nós hoje encontramo-nos nesta dicotomia de ainda haver uma produção massiva de plástico e de termos só um planeta.
É um desafio, usar um material, num certo sentido maldito, nos dias de hoje, o plástico, para expressar artisticamente uma ideia?
É controverso. Para falar das palhinhas: há uma directiva da União Europeia que diz que o descartável tem de sair do mercado, portanto, há uma ideia de desplastificação do quotidiano, é urgente. E eu encontrei várias à venda em quantidades massivas.
O título da instalação é Obituário.
Porque, no fundo, quis retirá-las do mercado, quis fazer esta mega-cortina para nada. Tirar rapidamente as palhinhas do circuito e levá-las para o sítio onde o plástico tem de estar, que é fechado, entre aspas, no museu, ou seja, não lhe dar a oportunidade de ir parar ao mar e de se transformar em microplásticos e de fazer o circuito que tem feito nos últimos anos. É uma ode à inutilidade do material e do objecto.
O discurso ecológico é um dos motes da exposição?
É o questionar da preocupação ambiental, um pouco em torno desta controvérsia, que coloca o plástico no museu, que faz esse trabalho de mostrar que ele já devia ser um objecto de arquivo mas que, ao mesmo tempo, há toda uma economia e uma dinâmica de uma região que também depende dele.
Há um percurso expositivo em contramão.
É literalmente em contramão. O meu princípio foi usar os espaços que não são os espaços convencionais expositivos do actual museu e fazer intervenções em não-lugares, não digo não-lugares naquela perspectiva do Marc Augé, mas espaços que normalmente são espaços de passagem. Daí a ideia de percurso e daí a ideia de ligar janelas entre si e espaços onde se possa observar de dentro para fora. Fazer olhar de outra forma o lugar físico onde estamos, fazer de zonas de passagem zonas de paragem.
Convidar o visitante a fazer, das janelas do museu, postos de observação para o exterior.
No meio mais rural, estas passagens do interior para o exterior, aquelas cortinas mosqueiras, são uma espécie de janela que não está lá, uma coisa que deixa passar luz, um interface permeável. E essa permeabilidade interessa-me particularmente, essa permeabilidade entre rural e urbano é interessante neste território.
O que é que esse apelo de olhar de dentro para fora procura?
Que as pessoas percebam que não é inocente o lugar onde estão, que há um propósito. Podem ver o rio, podem ver jardins, podem ver edifícios actuais como o Centro de Interpretação Ambiental, podem ver os nossos ícones, como o Castelo de Leiria, podem ver bocados de ruralidade em plena cidade. Estar dentro daquele convento [de Santo Agostinho, onde funciona o Museu de Leiria], daquele espaço em particular, tem perspectivas que não se têm noutros lugares. E isso culmina tudo numa janela onde se colocou uma passadeira vermelha para o castelo, que é o postal ilustrado da cidade. Aquilo que queremos é que as pessoas se sentem, olhem para aquela janela em paritcular e desenhem o que quiserem. É uma forma particular de consumir mais devagar, de fazer parar, é desacelerar.
Leiria é um território onde continua a existir dualidade entre o rural e o urbano?
Felizmente. Há um ganho por essa relação. Que papel é que a cultura, por exemplo, pode ter sobre isso? Em Leiria temos assistido, não só do lado das associações, mas também do público, a uma tentativa, necessária, de encontrar hábitos culturais em lugares mais afastados, levando a cultura às pessoas. E isso é uma aprendizagem para todos. Também é um ganho para quem está na cidade e leva o trabalho fora porque aquilo que devolve um público marcadamente numa zona rural é completamente diferente daquilo que devolve um público em meio urbano.
Fica a sensação que a arquitecta, a pessoa que colaborou na elaboração dos projectos originais do Polis, nunca desaparece totalmente quando cria uma exposição como esta. É assim?
É e estou cada vez mais confortável com isso. Eu sempre me encontrei na minha arquitectura de pouco betão e 3D, o encontrar-me no mundo artístico, vem agora num momento em que não quero, nem posso, acho eu, por respeito a todos os que trabalham cultura, susbstituir um trabalho criativo de um artista plástico. Não há dúvida nenhuma que há aqui a arquitecta a trabalhar, também.