A grande peregrinação do 13 de Maio está de volta, após dois anos em suspenso devido à Covid-19.
Além dos 82 grupos internacionais previstos pelo Santuário de Fátima, muitos peregrinos virão a pé, razão pela qual as autoridades não se cansam de repetir avisos e conselhos.
Roupas claras, materiais reflectores, circular pelos passeios e em fila única são os mais comuns.
Mas há uma coisa, contudo, que, dificilmente, poderão obrigar: a opção por um caminho mais seguro.
Se assim fosse, as longas filas de peregrinos a caminhar pelas bermas do IC2 e de outras vias rápidas, e “carros de apoio” em marcha lenta quase desapareceriam.
Mas os peregrinos evitam-nos e mostram muita resistência em mudar a caminhada para outro rumo.
Num aparente contra-senso, reconhecem a segurança, mas continuam a preferir estradas perigosas como o IC2. Alegam distâncias mais longas, falta de sinalização, ausência de apoio ao nível da restauração, áreas de descanso e até mesmo “a tradição”.
Recentemente, juntaram-se aos percursos marcados pelo Centro Nacional de Cultura e pela Associação de Amigos dos Caminhos de Fátima, os caminhos do centenário da Associação Caminhos de Fátima, cuja sede está em Pombal.
Leia a segunda parte deste artigo
Acampados em Fátima desde final de Abril à espera do 13 de Maio
Por vezes, as marcações sobrepõem-se, mas estão devidamente assinalados, em especial o Caminho do Centenário com as suas placas azuis, não obstante, embora mais seguros, poucos são os que os percorrem.
Peregrinos seguem tradição
[LER_MAIS]O JORNAL DE LEIRIA visitou alguns troços destas vias e perguntou a alguns peregrinos por que razão não escolhem o caminho mais seguro.
Um grupo de quatro mulheres vindas de Baião segue atrás de dois peregrinos espanhóis que estão a fazer o caminho desde Santiago de Compostela. Eles estão habituados “a caminhar longe das estradas principais, num ambiente de paz e espiritualidade” e algum turismo, como acontece com todos os caminhos que levam à cidade onde, diz a lenda, repousa o discípulo de Jesus, na Galiza.
Pedro e Suso desculpam-se por não se demorarem e seguem, de mochila às costas, pelo caminho alternativo entre Flandes, em Pombal, e Barracão, já no concelho de Leiria.
Ana Cláudia e as amigas nunca tinham peregrinado até Fátima, mas, antes de saírem de casa, procuraram aquele que lhes parecia o melhor trajecto para seguir pelo GPS. Foi com surpresa que perceberam que estavam a percorrer o caminho alternativo.
“Já experimentámos os dois. Estamos a fazer cerca de 40 quilómetros por dia. O caminho alternativo é mais seguro, mas já percebemos que há situações onde se percorre mais quilómetros e nós temos o tempinho contado”, explica e adianta que, desde Baião até Fátima, pelo caminho da Associação dos Caminhos de Fátima, teriam de andar mais 30 quilómetros.
A explicação é, precisamente, a tentativa de evitar as estradas mais perigosas.
Apesar de tudo, o troço entre Flandes e Barracão tem mais sombras e é mais curto, o que agradou às peregrinas.
Um quilómetro mais a sul, no “caminho tradicional”, sentada numa manta à sombra de uma árvore, no parque de estacionamento de uma zona comercial a sul de Pombal, Graça Nunes descansa os membros cansados, fortalece o estômago e aproveita o ar fresco.
Ainda não são 13 horas, mas o sol de Maio martela sem piedade. Saiu de Coimbra à frente de uma dúzia de peregrinas.
Graça é a “organizadora” deste calcorrear de dois dias para Fátima que, para si, é já uma tradição anual sempre na primeira semana de Maio.
Admite que percorreu uma vez o percurso alternativo entre a Flandes e o Barracão, pela antiga Estrada Real de Leiria, mas não gostou. “Achei que era mais longe, mais duro e não havia sombras.”
A filha Cândida, junta-se à conversa e adianta: “não há nada. Não há restaurantes. Não há pontos de referência para pedir uma ambulância se for preciso”.
Apesar destes argumentos, o trajecto pelo IC2, no alcatrão, sem sombras e em constante convivência com camiões, é um quilómetro mais longo e conta com várias subidas e descidas, enquanto a antiga Estrada Real, além de mais curta, só tem, na realidade, uma subida com inclinação suave, terminando no mesmo local, já no concelho de Leiria.
Na maior parte do percurso antes e depois de Pombal, ambos os caminhos – aquele pela berma do IC2 e o alternativo – distam cerca de 500 metros um do outro.
“É um bocadinho mais inseguro pelo IC2, mas somos responsáveis e adultos. Por outro lado, se acontecer algo, há sempre um café por perto. Se acabar a água ou comida, também podemos ir lá”, entende.
E essa é uma das razões pelas quais, o grupo passou por dentro de Pombal, mas pelo centro e não pelo caminho alternativo, que afasta os peregrinos do comércio e restauração.
Para que os caminhos alternativos sejam mais usados, faltará divulgação e mais informação nos pontos onde os dois caminhos se cruzam? É uma hipótese que as autarquias que fazem parte da Associação Caminhos de Fátima devem avaliar.
Espiritualidade em zonas verdes
Desde 2011, que a Câmara de Alcobaça procura melhorar as condições oferecidas aos peregrinos que passam no seu território, explica Inês Silva, vice-presidente da autarquia.
Na semana passada, representantes de concelhos da região, atravessados pelo Caminho do Mar, reuniram-se na Nazaré, com o objectivo de candidatar este percurso a apoios comunitários, que lhe confiram melhores condições.
A ideia, adianta a autarca, passa por dotar o percurso de painéis de informação útil, para que os peregrinos possam caminhar por zonas verdes, afastadas de estradas e de aglomerados urbanos, oferecendo “segurança” e “espiritualidade”, dando a conhecer, em simultâneo, desvios para locais de culto e de interesse patrimonial, como os Mosteiros de Cós e de Alcobaça, templos deste e de outros concelhos.
O investimento na limpeza e na sinalização destes troços acontece há vários anos, envolvendo municípios e juntas de freguesia, contudo, explica a vice-presidente, existe hoje mais atenção por parte de outras instituições, como o Turismo de Portugal, que percebem cada vez mais o valor que estes trajectos podem ter, do ponto de vista cultural e turístico.
O tema dos Caminhos de Fátima esteve presente na última reunião de Câmara de Alcobaça, que decorreu na segunda-feira, onde também o vereador António José Henriques defendeu que se deve apostar na melhoria dos percursos que afastem os peregrinos do “alcatrão” e que lhes sejam proporcionados momentos de “espiritualidade” em zonas verdes.
Lava-pés e missa dos doentes
Este ano, as medidas sanitárias e o distanciamento social e físico estão a ser levantados e o Santuário de Fátima espera acolher muita gente, embora não avance uma previsão de números.
“Serão mais do que nos dois últimos anos. Teremos 82 grupos vindos de 17 países, como os EUA, Croácia, El Salvador, Polónia ou Brasil”, avança Carmo Rodeia, do gabinete de comunicação do recinto mariano. Recorda igualmente que, com o levantamento das restrições sanitárias, este 13 de Maio contará com o lava-pés, com a missa e bênção dos doentes e o albergue de peregrinos abrirá as portas.
As operações de segurança, asseguradas pela GNR, vão contar pela primeira vez com um drone. Estão mobilizados 700 militares.