Hoje, Xana Vieira escreve a Thainá Braz.
Este é um projecto de troca epistolar, organizado em corrente: 12 pessoas da cidade procedem ao envio de uma carta dirigida a uma outra pessoa que vive num bairro diferente, explorando a cidade como referência, tendo em conta expectativas de um amanhã. O que querem melhorar, o que acham importante conversar, o que é urgente repensar. Abrem uma conversa pública entre pessoas que se conhecem e não se conhecem, mas que partilham o espaço de uma cidade agora.
As Cartas Para Leiria e para o Futuro integram a programação de MAPAS, que decorre em Leiria de 1 a 12 de Julho de 2020, com o JORNAL DE LEIRIA como media partner.
Para acompanhar diariamente, online, no site do JORNAL DE LEIRIA e no site de MAPAS (https://www.m-a-p-a-s.com/).
“Leiria, 24 de junho de 2020
Querida Leiria e Querida Thainá,
Encontro-me no meu quarto, na cama, com um copo de vinho na mesinha de cabeceira, à frente do computador, cheia de vontade de escrever coisas que façam sentido para mim, para o Carlos, para a Thainá Braz e para Leiria. Tenho até à meia-noite. Na casa de banho, ao lado, está a minha filha a tomar um longo banho de imersão e a ouvir música bem alto.
Acabei de ler a Carta que o Carlos Matos me escreveu. Os meus olhos embaciaram-se. Nos últimos dias isto tem acontecido muito. Obrigada Carlos. Percebes bem tudo o que me vai dentro. Talvez tenhamos muito mais coisas em comum do que pensamos e talvez nada te passe despercebido. Sim, Carlos, a falta que os nossos pais nos fazem. A saudade que nunca passa. E tudo o que nos ensinaram, às vezes, contra a nossa vontade.
Nós somos muito o que vimos fazer.
E, de repente, lemos os livros que eles queriam e nós não queríamos, vemos os programas que nos falavam, lemos os tais jornais, apaixonamo-nos por um mundo diferente e queremos fazer de Leiria uma outra Leiria.
E com o tempo vemos que muito mais que receber o importante é dar. Estás tão certo.
As viagens são essenciais para querer fazer uma CIDADE futuro ou, no meu caso, uma “ livraria Futuro”. As viagens através dos livros, dos filmes, da música ou as viagens a cidades ou países diferentes, fazem-nos querer mais.
Sabemos que 80% das casas portuguesas não tem um único livro, nem para enfeitar, mas continuamos a luta. Construímos mais. Não desistimos. E construir é criar tesouros no coração das outras pessoas e no nosso. É criar terrenos férteis. Construir é criar laços. É estar sempre atento. De alguma forma isso é comum a ambos.
Em Leiria existe, agora, um terreno excelente de criação. Será que também ajudaste Carlos? Claro que sim. És um dos fundadores desta nova geração e desta nova Leiria.
Semeaste. Semeaste muito. Continuarás a semear, como hoje, com a carta que me escreveste. O importante é não deixarmos de ir atrás do que achamos fundamental. Para a nossa cidade e para nós. Porque depois é o que vemos agora – uma Leiria com polos criativos intensos e a começarem a ser reconhecidos.
Querida Thainá, penso que te sentirás bem em Leiria porque vais ter sítios incríveis para desfrutar como estes que ainda não parei de falar. No entanto, creio que terás que lutar para te sentires livre nesta cidade. A cidade cresceu mas ainda é, em muitas coisas, uma cidade conservadora. Quero que sejas livre e quero que não desistas. Que sejas cá tu por inteiro.
Uma cidade só é perfeita quando há lugar para todos. Por isso, os terrenos plantados estão por aí espalhados para crescerem ainda noutras direções. Adoptar a pluralidade, o respeito pela diferença, é sinal de desenvolvimento, de futuro.
Carlos, sabes o que me preocupa cada vez mais e me deixa os olhos embaciados? O centro histórico. Será que depois da Pandemia, ou do “terceiro confinamento”, de todas estas conversas boas, e de tanta reflexão, se continuarão a esquecer do centro histórico? Thainá, queres plantar nesse pousio?
A arte salva – isto tenho a certeza. E salva cidades, também. Mas só salva se as regarem. Se as pensarem a curto e a longo prazo. Nós e todos.
Obrigada, Carlos. Segue por aí feliz, Thainá.
Xana Vieira”
Cartas anteriores:
1. Patrícia Martins
2. Jorge Vaz Dias
3. Hugo Ferreira
4. Maria Miguel Ferreira
5. Carlos Matos