Hoje, Hugo Ferreira escreve a Maria Miguel Ferreira.
Este é um projecto de troca epistolar, organizado em corrente: 12 pessoas da cidade procedem ao envio de uma carta dirigida a uma outra pessoa que vive num bairro diferente, explorando a cidade como referência, tendo em conta expectativas de um amanhã. O que querem melhorar, o que acham importante conversar, o que é urgente repensar. Abrem uma conversa pública entre pessoas que se conhecem e não se conhecem, mas que partilham o espaço de uma cidade agora.
As Cartas Para Leiria e para o Futuro integram a programação de MAPAS, que decorre em Leiria de 1 a 12 de Julho de 2020, com o JORNAL DE LEIRIA como media partner.
Para acompanhar diariamente, online, no site do JORNAL DE LEIRIA e no site de MAPAS (https://www.m-a-p-a-s.com/).
“Leiria, 12 de junho de 2020
Querida Leiria,
Cara Maria,
Quando cumpríamos quarentenas em casa e colocávamos máscara para sair à rua estávamos longe de imaginar que a maior pandemia era um fenómeno bem mais lento, de cariz social e político e que, para a ultrapassar, teríamos que conseguir retirar as máscaras que muitos de nós, iludidos pelas redes (que na altura se chamavam sociais) fomos pensando que eram a nossa identidade e razão.
Quando deixámos que a máquina do medo e do algoritmo nos recrutasse e nos armasse com narcisismo, desinformação e indignação para, em bolha e em bando, tomarmos partido numa guerra entre fracções extremas, quase deitamos a toalha ao chão.
Lembras-te bem do difícil que foi resistir e ultrapassar esse vírus extremista e intolerante que se espalhou pelo mundo, lutámos muito para achatar as suas curvas de contágio e enchemo-nos de força quando a resistência fez do amor ao próximo, da educação e da cultura os reagentes para o antídoto que nos devolveu a paz e o prazer das pequenas coisas, que afinal eram grandes.
Os lugares, os saberes e os sabores, o conhecimento de nós mesmos alcançado a viver com os outros e a desenvolver com eles um espírito tão crítico como tolerante.
E quando o conceito de pólis centralizada se diluíu e o trabalho e a vida passaram a saber usar a tecnologia na sua vertente 5.0 (em homenagem à harmonia dos cinco elementos da terra), passámos a saber realmente viajar com a nossa comunidade como ponto de partida e de chegada.
Quando nos lembramos daquele 2020 do nosso descontentamento, em que quase nos alienámos de tudo e de todos, são exemplos tão próximos e ao mesmo tempo tão diversos como o do Jorge e o teu Maria, que nos mostram que nascemos e crescemos numa região que, com todas as outras vantagens que já mostrava, tinha o seu maior segredo nas pessoas, tão determinadas e complementares, que não se cansaram de sonhar e de trabalhar para darem aos seus uma Leiria que nunca quis ser a maior ou a dona da verdade mas que se soube adaptar e inspirar as maiores valências que um território e uma comunidade podem oferecer: esperança e vontade de ser melhor.
Dizia-me o Jorge que fizémos esta cruzada “certos de que somos frágeis, mas como comunidade e descodificados em arte e entendimento” e descobrimos que podíamos viajar em muitas direções mas a uma só voz.
Estou certo de que quando escolhemos a etimologia de “acorde de todos” para a Omnichord e quando chamaste “Too Small To Fail” para um braço amigo às start-ups estávamos já convencidos de que o futuro era aquilo que quiséssemos, juntos, fazer dele.
E Leiria sempre foi e sempre será, simultaneamente, o nosso farol e o nosso porto de abrigo.
O vosso,
Hugo Ferreira”
Cartas anteriores:
1. Patrícia Martins
2. Jorge Vaz Dias